Um dos grandes pesquisadores na área da ciência cognitiva diz que o conhecimento do cérebro é a chave para aprimorar o aprendizado e inserir a escola no século XXI.
Revista Veja - por Helena Borges
O neurocientista americano Stephen Kosslyn, 66 anos, estava com a vida feita. Um dos maiores pesquisadores do mundo em ciência cognitiva - área do conhecimento que combina psicologia, neurociência e sistemas de computação para entender como o cérebro processa informações -, Kosslyn era disputado por instituições de alto nível, como Harvard, onde fez prodigiosa carreira acadêmica durante mais de três décadas. Pois no início do ano passado ele jogou tudo para o alto e aceitou ser reitor de um dos mais ambiciosos projetos de educação na internet: o Mínerva, universidade 100% on-line pensada por uma turma egressa do Vale do Silício e financiada pelos mesmos investidores do Twitter e do eBay. A proposta é oferecer ensino de excelência comparado ao das instituições americanas da elite acadêmica. "Pude me afastar, olhar tudo de um novo ângulo e pensar em um modelo de educação superior que seja adequado ao século XXI e que aproveite a revolução feita pela internet", avalia KossIyn, que falou a VEJA de seu escritório em São Francisco, na Califórnia.
Veja - Sua área de estudo enxerga o cérebro como um músculo que pode ficar mais forte se corretamente exercitado. Não é exagero?
Stephen Kosslyn - Não. A inteligência humana pode ser dramaticamente ampliada. Uma frente fundamental de pesquisas na área da neurociência cognitiva trata justamente de encontrar caminhos para exercitar os, digamos, músculos mentais. Para solucionar uma equação são ativadas diferentes combinações dos sistemas neurais presentes no cérebro humano. Esses sistemas podem ser treinados e sua capacidade, ampliada, da mesma forma que os tríceps de um atleta nas barras paralelas.
Veja - Como seria uma sala de ginástica para o cérebro?
Stephen Kosslyn - Até alguns videogames podem ser utilizados. Um exemplo é o Tetris, um clássico, que pode ajudar a potencializar a noção espacial. A mente é exercitada também pelos games que dividem a atenção do jogador entre objetos diferentes, os que exigem a memorização de sequências e aqueles que requerem a absorção gradativa de mais e mais informação. Com a ajuda deles, conseguimos em laboratório estimular sistemas neurais específicos. Os games e, de modo geral, toda atividade interativa têm efeito positivo sobre a inteligência. As pesquisas mostram que o cérebro de uma pessoa pode servir de extensão para o de outra, e vice-versa. Já se sabe que os estímulos mútuos em ambientes sociais são o combustível para a expansão da inteligência. Outro poderoso indutor da inteligência é a interação do cérebro com aparelhos digitais. À medida que a linha divisória entre o processamento de informações no cérebro e nos dispositivos eletrônicos vai ficando mais tênue, mais sutil, a capacidade mental aumenta.
Veja - As escolas superiore já se valem dessas descobertas em classe?
Stephen Kosslyn - De modo geral, o ensino continua muito atrelado a técnicas convencionais ultrapassadas, mas a ciência do raciocínio em breve vai fazer uma revolução nessa área.
Veja - Poderia dar um exemplo?
Stephen Kosslyn - Muito se fala que, no aprendizado, quanto mais a pessoa pensa sobre alguma coisa, mais se lembra dela, mas pouco se faz para que pensar se torne a regra na sala de aula. Nós conduzimos pesquisas para comprovar cientificamente esse fato. Uma delas, simples mas esclarecedora, envolveu três grupos aos quais foram apresentadas frases que descreviam cenas triviais. Um grupo foi instruído a ficar repetindo as frases para gravá-las. Outro foi orientado a fechar os olhos e tentar visualizar as imagens. Ao terceiro foi pedido que visualizasse cada cena uma vez, rapidamente, e que desse uma nota de quão viva a imagem lhe apareceu, sem se preocupar em gravá-la. Os participantes foram convocados minutos depois a reproduzir as frases, e a memorização dos que tentaram absorvê-las por repetição foi metade da dos outros dois grupos - que, por sua vez, apresentaram desempenho semelhante. Isso reforça a ideia de que não é repetindo teoremas e fórmulas que os alunos vão se lembrar dos ensinamentos, mas sim discutindo e construindo um pensamento critico sobre o que aprendem. A partir daí, desenvolvemos cursos muito mais interessantes e participativos.
Veja - Como se explica, em termos cognitivos, o fato de refletir ser mais eficiente do que repetir?
Stephen Kosslyn - Quanto mais a pessoa refletir sobre algum assunto, quanto mais profundamente ela processar uma informação, mais fácil será lembrar-se dela, porque a reflexão vai desencadear associações mentais entre aquele assunto e o que já está armazenado na memória. Ao ser convocado a reproduzir essa informação, o cérebro usará tais associações para chegar ao local onde ela está armazenada. Por outro lado, repetir uma frase ou uma fórmula diversas vezes não cria conexões com coisas já gravadas na memória, e portanto o cérebro vai ter mais dificuldade para a encontrar a frase ou fórmula no seu banco de dados quando isso lhe for solicitado.
Veja - Onde o professor entra nisso?
Stephen Kosslyn - Ele não pode se ver mais apenas como um transmissor do conhecimento. É claro que continua a ter de dominar sua expertise, mas precisa dar uma aula diferente, de aprendizado ativo, envolvendo os alunos. Isso requer treinamento contínuo e muita habilidade interpessoal. As aulas tradicionais são expositivas, o que é uma ótima estratégia para ensinar, porque em pouco tempo o professor alcança vários ouvintes simultaneamente, mas é uma maneira horrível de aprender, porque o aluno se perde com facilidade, sem exercitar sua capacidade de abstração. Enfim, um professor com os olhos para o futuro tem de criar desafios acadêmicos à altura da complexidade do mundo de hoje, motivando o aluno a analisar e a aplicar o que ele aprendeu.
Veja - Por que a maioria das escolas ainda está aferrada a um modelo antiquado de sala de aula?
Stephen Kosslyn - Parte desse conservadorismo se deve ao conforto que ele traz; os professores ensinam da maneira a que estão acostumados, como foram treinados, sem avançar um milímetro. Eles não veem motivos para mudar. As universidades, por sua vez, que tanto celebram os progressos na pesquisa, não têm a tradição de valorizar inovações na didática, o que desmotiva a aplicação de métodos mais modernos.
Veja - A tecnologia ainda vai revolucionar o ensino?
Stephen Kosslyn - Ela será a chave de tudo. Logo, logo, a maior parte do conhecimento vai ser gratuita. Tudo o que a pessoa quiser conhecer ou aprender estará disponível nas escolas a distância. Essa evolução tecnológica vai resultar em uma mudança significativa no papel das universidades: em vez de só transmitirem o conhecimento, caberá a elas ensinar a raciocinar, a dominar esse conhecimento e a colocá-lo em uso na prática. Esse processo deve ser interpretado de modo amplo, não apenas no sentido de formar um bom profissional, mas também no de incentivar o aluno a se tornar uma pessoa que possa aproveitar plenamente a vida - apreciar as artes e a música, ser capaz de enxergar os dois lados de uma questão. O cidadão do futuro, parte desta geração que está agora nos bancos escolares, é aquele que os políticos não conseguem passar para trás, porque conhece a política e é capaz de fiscalizar as ações do candidato em quem votou.
Veja - Nesse universo, o ensino on-line vai prevalecer sobre as escolas físicas?
Stephen Kosslyn - Sem dúvida. Vejo o agrupamento de estudantes em um câmpus como algo cada vez menos importante. As pessoas continuarão a se encontrar para estudar, e isso é bom principalmente para os mais jovens, que precisam interagir, mas os grupos serão menores. O Número de Dunbar, criado pelo antropólogo inglês Robin Dunbar, definiu que, para que todo mundo se conheça dentro de um grupo, ele não pode ter mais que 150 integrantes. Esse é o tamanho ideal para haver socialização efetiva, fazer amigos e criar laços afetivos.
Veja - Como o acesso ao ensino gratuito é encarado pelas universidades da elite acadêmica?
Stephen Kosslyn - No século XVIII, as universidades selecionavam as obras que a pessoa tinha de ler para ser considerada educada. Já a universidade voltada para o futuro não é fundamenta da em livros, mas em ferramentas cognitivas. Ela dá aos alunos a bagagem intelectual para que consigam se adaptar a qualquer cargo, criar e ter sucesso pelo resto da vida. As escolas de elite americanas, integrantes do grupo conhecido como Ivy League, não se sentem ameaçadas pela internet porque continuam imprescindíveis em outro papel: o de formadoras de redes de contatos. Mesmo hoje, as pessoas vão para Harvard, Yale e Stanford, em parte, por causa dos colegas interessantes e das redes de contatos que estabelecem. Esse cenário não vai mudar - só vai ficar mais concorrido e mais elitista. Já as universidades de má qualidade, frequentadas apenas para obter um diploma, essas vão acabar, até porque o diploma universitário formal está perdendo valor. Ele já não é garantia absoluta de um bom emprego. Também desvaloriza o tradicional canudo o exemplo dos jovens que alcançam sucesso no mundo digital sem ter feito faculdade alguma.
Veja - Várias de suas pesquisas tratam da imaginação. Que papel ela tem no cérebro?
Stephen Kosslyn - A visualização mental de imagens de forma espontânea, ou seja, sem estímulos físicos, é importante para desenvolver tanto a memória quanto a noção espacial. Ela também ajuda na compreensão linguística e no desenvolvimento de habilidades motoras - assistir a um vídeo de si mesmo em ação contribui para o atleta imaginar maneiras de melhorar o desempenho na sua atividade. É essencial ainda no entendimento de símbolos, como comprovam os muitos matemáticos e físicos de imaginação fértil, incluindo Albert Einstein. A imaginação se coloca nos limites entre percepção, memória, raciocínio e emoções. Estudando-a, poderemos compreender as diferenças e os pontos em comum entre essas áreas.
Veja - Como se avalia a capacidade imaginativa de uma pessoa?
Stephen Kosslyn - O estudo dessa questão começou a se desenvolver com o surgimento de testes cognitivos mais modernos e deu um enorme salto com as novas técnicas de escaneamento cerebral. Mas ainda há um imenso potencial a ser explorado nesse universo relativamente pouco conhecido. Na medicina e na psiquiatria, a compreensão da base neural na imaginação não só vai ajudar a elucidar questões fundamentais do cérebro, como também poderá lançar uma luz sobre os déficits mentais que acompanham doenças cerebrais. Na educação, pode aprimorar as aplicações práticas da imaginação no ensino escolar.
Veja - Em que o aluno formado conforme as diretrizes da ciência cognitiva será diferente dos outros?
Stephen Kosslyn - O estudo dessa questão começou a se desenvolver com o surgimento de testes cognitivos mais modernos e deu um enorme salto com as novas técnicas de escaneamento cerebral. Mas ainda há um imenso potencial a ser explorado nesse universo relativamente pouco conhecido. Na medicina e na psiquiatria, a compreensão da base neural na imaginação não só vai ajudar a elucidar questões fundamentais do cérebro, como também poderá lançar uma luz sobre os déficits mentais que acompanham doenças cerebrais. Na educação, pode aprimorar as aplicações práticas da imaginação no ensino escolar.
Veja - Em que o aluno formado conforme as diretrizes da ciência cognitiva será diferente dos outros?
Stephen Kosslyn - Ele saberá analisar problemas e situações com isenção e espírito crítico e passará a vida inteira aprendendo. No Projeto Minerva, nossa universidade on-line recém-inaugurada, partimos da seguinte premissa: o que os alunos vão fazer depois de formados? Isso leva a todo o resto. Queremos formar líderes globais, que gerem inovação, que tenham mente aberta para continuar ampliando seus horizontes intelectuais, que saibam se adaptar a um mercado volátil e que sejam cidadãos do mundo. Para formatar nossos cursos, passei meses entrevistando líderes no Vale do Silício, no mercado financeiro e no mundo empresarial. As sim pude traçar um retrato, tanto no plano prático quando no psicológico, das características que os levaram a chegar aonde chegaram. É esse o tipo de ensinamento que as instituições de ensino devem absorver para conseguir oferecer uma educação verdadeiramente integrada no século XXI.