Os estudos com a oxitocina, a substância que rege os vínculos afetivos, comprovam a grande influência dos hormônios sobre o comportamento humano.
Revista Veja - por Adriana Lopes
Dez gotas. Essa é a porção de todos os 200 hormônios circulantes na corrente sanguínea de um adulto. A amostra teria cor leitosa e consistência gosmenta. O cheiro seria de suor. Tal quantidade ínfima e desagradável é responsável pelo bom funcionamento do organismo e também rege os intricados mecanismos que determinam o comportamento humano (veja os quadros ao final desta reportagem). Para que funcionem à perfeição, os hormônios circulam pela corrente sanguínea em doses extremameme precisas. Basta um pouco a mais ou um pouco a menos (o equivalente a uma partícula de poeira) para que a libido, o humor, a vitalidade e a autos segurança, por exemplo, fiquem abalados. Os hormônios são conhecidos desde o início do século XX. Mas, somente nos anos 2000, seu impacto sobre o modo como os seres humanos pensam e agem começou a ser esmiuçado. Atualmente, há cerca de 500 estudos sobre o assunto em andamemo - quase o dobro dos trabalhos dedicados ao desenvolvimento de novos medicamentos contra o câncer. Um hormônio em especial tem chamado (e muito) a atenção dos especialistas - a oxitocina, Até pouco tempo atrás; associada apenas a processos fisiológicos envolvidos na maternidade (as contrações uterinas no momemo do parto e a liberação de leite durante a amamentação) e, por isso, conhecida como a substância do amor matemo, a oxitocina rem se revelado o hormônio com a mais ampla e intensa ação no comportamenro de mulheres e homens. Em particular, ao estimular a autoconfiança, o vínculo de afeto e o relaxamento. E, ao contrário do que ocorre com os outros hormônios, quando administrado sob a forma sintética, em doses extras, oferece poucos efeitos colaterais. "Tais qualidades fazem da oxitocina uma forte candidata a se tornar o primeiro remédio capaz de alterar o comportamento de uma pessoa saudável a ter o aval da medicina", diz Malebranche Carneiro da Cunha Neto, neuroendocrinologista do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Foi concluído recentemente um dos mais completos estudos sobre os efeitos da oxitocina sintética em adultos do sexo masculino. Conduzido pelas faculdades de Medicina e de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), do câmpus de Ribeirão Preto, o trabalho foi o primeiro a comprovar as qualidades do hormônio de forma concreta e objetiva, com exames médicos bem definidos. A ideia dos pesquisadores era analisar a autoconfiança e o relaxamento dos participantes diante de uma situação desafiadora. Dos 28 homens selecionados, metade inalou oxitocina (em spray, com três borrifadas em cada narina) e metade recebeu a mesma quantidade de uma substância à base de soro fisiológico. Ninguém sabia a qual grupo pertencia. Os voluntários deveriam fazer uma avaliação detalhada da situação do transporte público de sua cidade (nenhum dos participantes, diga-se, tinha familiaridade com o assunto). Eles teriam dois minutos para preparar a apresentação e quatro minutos para expô-Ia a especialistas na área. Os homens do grupo da oxitocina mostraram-se mais seguros e calmos. Os principais parâmetros utilizados para medir a autoconfiança foram o volume da produção de suor e o ritmo dos batimentos cardíacos. Eles suaram 30% menos do que os participantes que inalaram soro fisiológico e o coração se manteve também mais calmo: 63 batimentos por minuto, em média, contra os 68 registrados pelo grupo do placebo.
O psicólogo Renato Carvalho, de 32 anos, foi um dos participantes da pesquisa de Ribeirão Preto. No momento em que soube que teria de falar em público sobre um assumo do qual não entendia nada, ele ficou muito aflito. Mas, por causa das borrifadas de oxitocina, o nervoso passou logo. Sem o hormônio, afirma Carvalho, ele não teria conseguido."Os resultados apresentados pelo uso da oxitocina como calmante são equivalentes aos atingidos pelas pesquisas que usaram os remédios benzodiazepínicos na mesma situação," diz o psiquiatra José Alexandre de Souza Crippa, um dos coordenadores do estudo. Lançados na década de 50, os benzodiazepínicos causam efeitos colaterais como sonolência e boca seca. As borrtfadas de oxitocina, apenas cólicas leves e... acessos de ciúme. O trabalho da USP de Ribeirão Preto será publicado no primeiro trimestre de 2012, na revista inglesa Journal of Psychophatmacology, uma das maiores referências em psiquiatria e farmacologia no mundo. O flautista Gabriel Rimoldi, 23 anos, participou de outra pesquisa conduzida pelo mesmo grupo de estudiosos da USP de Ribeirão Preto. Após inalar três doses de oxitocina (sem saber que estava recebendo o medicamento). Rimoldi coma ter ficado mais rranquilo para tocar em público.
Graças a tais qualidades, a oxitocina está vendendo muito nos Estados Unidos. Indicado formalmente para estimular a liberação de leite matemo, o hormônio está disponível nas farmácias (inclusive as brasileiras) há pelo menos dez anos. "Nos últimos sete meses, tivemos um aumento surpreendente de 30% nas vendas", disse a VEJA Kelly Jones, gerente do laboratório ABC Nutriceuticals, fabricante do Oxytocin Factor, a marca do hormônio mais popular entre os americanos. Os novos clientes são
sobretudo, homens e mulheres que querem incremenrar a relação amorosa, Pois é, de hormônio do vínculo matemo, a oxitocina se transformou em uma espécie de "Viagra da alma". Al lgumas borrifadas de oxitocina no nariz antes do sexo e, relatam os casais, ocorrem maravilhas debaixo dos lençóis - os encontros de trinta minutos, em média, ficam mais soltos e mais afetuosos. Até faz sentido, embora ainda seja grande a distância para que haja uma comprovação científica final. "Uma pessoa mais autoconfiantetende a ficar mais à vontade durante as relações. o que toma o sexo mais prazeroso", diz a psiquiarra Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos
da sexualidade do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Há ainda mães que aplicam a oxitocina na roupa dos filhos para que eles consigam impor-se diante dos colegas - como uma proteção contra o bullying. Para ter algum efeito, a substância tem de ser inalada. Aplicada sobre a roupa, a oxitocina se dissipa no ar.
A primeira descrição médica da existência de um hormônio data de 1902. Naquele ano, em experiências com cachorros, os fisiologistas ingleses Ernest Henry Starling (1866-1927) e Williarn Bayliss (1860-1924) descobriram que uma determinada substância produzida num órgão era capaz de estimular a produção de compostos em outras partes do corpo. Daí o nome hormônio, do grego hórmon, que significa posto em movimento. "A maioria dos hormônios é ativada ou desativada a partir de outros hormônios, em um efeito cascata extremamente complexo", diz o médico Arthur Cukiert, chefe do serviço de neurologia do Hospital Brigadeiro, também em São Paulo. A intensidade da ação de cada um é definida, sobretudo, pela receptividade do alvo a ser atingido. No caso da oxitocina, os objetivos principais são o útero e as mamas. No fim da gravidez, ela estimula a contração uterina, e, durante a amamentação, facilita a liberação do leite matemo. "Nesses contextos os níveis da substância aumentam em pelo menos 1000%", diz o geneticista Ciro Martinhago, diretor da RDO Diagnósticos Médicos, em São Paulo. Fora desses períodos, o útero e a mama têm pouca sensibilidade ao hormônio. Nesse caso, não só o volume é menor como também o foco é outro, o cérebro. Entre os homens, o destino da oxitocina é sempre o cérebro. Quando eles têm um, é claro. Brincadeirinha ... Paz e amor!
• Oxitocina
A porta da felicidade
- Onde é produzida
Cérebro (hipotálamo)
- Onde atua
Útero
Estimula as contrações do órgão no trabalho de parto e durante a relação sexual.
Mamas
Participa da contração das células musculares das mamas de modo a propiciar a ejeção de leite.
Pâncreas
Auxilia a produção de insulina pelas células beta.
Testosterona
Está envolvida na formação de espermatozoides.
Cérebro (lobo frontal, amígdala, hipotálamo e tronco cerebral)
Ativa as regiões cerebrais relacionadas às sensações de autoconfiança, vínculos de afeto e relaxamento.
- Comentário
Trata-se de um dos poucos hormônios produzidos no cérebro, o que faz com que tenha uma ação mais ampla e intensa nas células cerebrais. Por isso, a oxitocina é um
dos hormônios mais fortemente associados ao comportamento do indivíduo, Formalmente, ela é indicada para mulheres que estão amamentando, para ajudar na liberação do leite materno. A substância, no entanto, vem sendo usada para incrementar as relaçôes amorosas.
• Testosterona
Coisa de homem
- Onde é produzida
Testículos e ovários
- Onde atua
Músculos
Aumenta a massa muscular, em especial na região peitoral e nos ombros.
Pele
Participa do crescimento de pelos e da oleosidade, essencial para manter o viço da pele.
Ossos
Mantém as células formadoras de ossos trabalhando em ritmo mais acelerado que o das células de corrosão óssea.
Testículos
É fundamental na formação dos espermatozoides.
Laringe
Mantém a cartilagem da laringe, onde se encontram as pregas vocais, cuja vibração dá origem à voz.
Próstata
Participa do processo de renovação celular.
Cérebro (amígdala e hipotálamo)
Estimula a libido.
- Comentário
Apesar de ser produzido também pelo organismo da mulher, trata-se de um hormônio masculino por excelência. Os homens apresentam dez vezes mais testosterona do que o sexo feminino. A diferença de volume explica por que os homens são mais musculosos, peludos, têm a voz mais grossa e os ossos mais resistentes em relação a elas. Doses extras da substância costumam ser usadas para aumentar a libido e a força muscular. A automedicação oferece riscos: altas na taxa do colesterol ruim e na incidência de hepatite. Além disso, pode levar ao aumento da próstata.
• Estrógeno
O arquiteto das curvas femininas
- Onde é produzido
Ovários
- Onde atua
Pele
É fundamental no processo de renovação das células da pele.
Células de gordura
Estimula o acúmulo de tecido adiposo na região dos quadris e das mamas.
Cérebro (amígdala e hipotálamo)
Funciona como combustível para a libido.
- Comentário
Seu pico de produção ocorre no auge do período fértil da mulher (na metade do ciclo menstrual). Ou seja, no momento em que ela está mais apta a conceber, seu desejo sexual atinge o ápice. É também o estrógeno que confere ao corpo feminino um de seus principais atrativos: as formas curvi ign="justify">Ovários
- Onde atua
Pele
É fundamental no processo de renovação das células da pele.
Células de gordura
Estimula o acúmulo de tecido adiposo na região dos quadris e das mamas.
Cérebro (amígdala e hipotálamo)
Funciona como combustível para a libido.
- Comentário
Seu pico de produção ocorre no auge do período fértil da mulher (na metade do ciclo menstrual). Ou seja, no momento em que ela está mais apta a conceber, seu desejo sexual atinge o ápice. É também o estrógeno que confere ao corpo feminino um de seus principais atrativos: as formas curvilíneas.
• Progesterona
A TPM é culpa dela
- Onde é produzida
Ovários
- Onde atua
Útero
Prepara útero para receber o óvulo fecundado, aumentando a circulação sanguínea e a formação de muco. Durante a gravidez, inibe as contrações, impedindo a expulsão do embrião.
Rins
Participa do processo de reabsorção de água e sal, sem o qual o organismo perde o equilíbrio hídrico.
Mamas
Age nas glândulas mamárias, de forma a aumentar a sua capacidade de secretar leite.
Cérebro (hipotálamo)
Interfere no humor.
- Comentário
Em alta no fim do ciclo menstrual, é a progesterona que faz da mulher (na maioria dos casos) aquele ser irritadiço, mal-humorado e chorão de todo mês. Sob o ponto de vista evolutivo, a lógica é fazer com que a mulher se afaste dos homens para se dedicar à gestação, período no qual o hormônio se mantém em alta. Progesterona vem do latim pro gestare.
• CortisoI
Alta tensão
- Onde é produzido
Glândulas suprarrenais
- Onde atua
Vasos sanguíneos
Participa do mecanismo da manutenção da pressão arterial.
Metabolismo de glicose no sangue
Aumenta a resistência do organismo à ação do hormônio insulina, favorecendo a disponibilidade da oferta de glicose para o cérebro em momentos de necessidade, como em situaçôes de stress.
Células
Reduz a reação inflamatória nessas estruturas.
Coração
Estimula a contração muscular e os batimentos cardíacos.
- Comentário
Do ponto de vista evolutivo, o cortisol tem um papel importantíssimo. Ele é o responsável por colocar o indivíduo em estado de alerta contra um possível agressor, No entanto, um organismo exposto à ação excessiva do hormônio fica vulnerável a uma série de problemas de saúde - do diabetes tipo 2 aos distúrbios cardiovasculares.
• Grelina
Bom de garfo
- Onde é produzida
Estômago, pâncreas e hipotálamo
- Onde atua
Coração
Participa do mecanismo de bombeamento de sangue do músculo cardíaco para o resto do organismo.
Cérebro (hipotálamo)
Estimula o apetite.
- Comentário
O hormônio é secretado principalmente quando o estômago está vazio. Comer de três em três horas reduz a produção da grelina, diminuindo a sensação de fome. Uma das frentes das pesquisas contra a obesidade é o desenvolvimento de um remédio que iniba a ação da substância.
• Leptina
A substãncia da saciedade
- Onde é produzida
Células de gordura
- Onde atua
Ossos, músculos, tendões, ligamentos e articulações
Aumenta a capacidade de síntese de glicogênio e ácidos graxos, o que garante a boa nutrição (consequentemente, a boa saúde) desses tecidos.
Cérebro (hipotálamo)
Ativa o mecanismo-de saciedade.
- Comentário
Normalmente, a leptina é liberada quando as reservas de energia do organismo já estão preenchidas. Por mecanismos ainda não totalmente desvendados pela medicina, os obesos produzem pouca leptina.
• Insulina
A chave para a energia
- Onde é produzida
Pâncreas
- Onde atua
Células
É a responsável pela entrada da glicose nas células, onde é convertida em energia.
Cérebro (hipotálamo)
Estimula a sensação de saciedade, sobretudo depois da ingestão de alimentos gordurosos e ricos em açúcar, que demandam a liberação de doses altas do hormônio.
- Comentário
Quando o pâncreas produz uma quantidade insuficiente de insulina as células do organismo se tornam resistentes á ação do hormônio, ocorre o diabetes.
• T4
A química da estabilidade
- Onde é produzido
Glândula tireoide
- Onde atua
Metabolismo
Ele funciona como uma espécie de maestro do ritmo de funcionamento do organismo.
Pele
Participa na produção de suor.
Coraç