... pode atrapalhar. Diz Drucker: iniciativas muito inteligentes falham quando tentam explorar mudanças na estrutura de um setor.
Revista Época negócios - por Clemente Nóbrega
Certos conceitos migram do domínio das ciências para o da gestão. Um exemplo do livro Where Good Ideas Come From, de Steven Johnson, um dos melhores de 2010, segundo a revista The Economist: em cada momento da história de qualquer sistema evolutivo biológico, social ou econômico há limites para as mudanças que podem ocorrer no momento seguinte. A inovação tem de estar dentro do contorno que define esses "adjacentes possíveis" do arranjo atual. Não tente ser inteligente e ir além; vai dar errado. Exemplo: a ideia de um espaço de textos conectados. Tim Berners-Lee, o cara do HTML, que viabilizou a internet, fez isso um click por vez. Funcionou. Um certo Projeto Xanadu, com a mesma finalidade e muito mais "inteligente", exigia cinco passos coordenados. Fracassou.
Entrechoques de espécies químicas existentes há 5 bilhões de anos geraram o DNA, que, por sua vez, fez explodir o espaço para mais inovações biológicas. Os limites do adjacente possível se expandem à medida que você os explora, mas tem de ser passo a passo. Criar direto um mosquito ou uma orquídea seria "inteligente demais". Não rola. Num: livro de 1985, Peter Drucker conta como a Volkswagen fracassou ao usar uma estratégia muito inteligente. Nos anos 60, o Fusca tornou-se o primeiro carro global desde o Ford T. Em 1970, estava obsoleto na Europa, mas no segundo mercado, o americano, ainda vendia bem, e no Brasil tinha muito espaço. A Volks reservou as fábricas alemãs para o modelo que sucederia o Fusca. Os Estados Unidos seriam servidos por fábricas no Brasil, que atenderiam também o nosso mercado. Motor e transmissão para Fuscas americanos viriam da Alemanha. Componentes seriam fabricados em vários países, de acordo com necessidades locais. Genial, mas os sindicatos alemães reagiram: "Montar Fuscas fora da Alemanha destrói postos de trabalho". Ignorando que o coração do carro vinha da Alemanha, revendedores americanos chiaram: "Carro made in Brazil não pode ter qualidade alemã". A Volks perdeu mercado para os japoneses e entrou em crise quando o Brasil, em recessão, não teve mais como usar a capacidade instalada. Segundo Drucker, "iniciativas muito inteligentes sempre falham quando tentam explorar mudanças na estrutura de um setor. Nesses casos, só inovações mais simples têm chance".
No fim dos anos 80, dizia-se que a IBM só se salvaria desmembrando se em unidades independentes, mas seu CEO notou que as maiores corporações do mundo estavam precisando de ajuda, para entender e escolher as soluções que emergiam aos borbotõesdaindústria deTl, à época. Decidiu integrar a IBM para oferecer "soluções para um mundo global". Deu certo. Uma organização descentralizada seria "inteligente demais". Há ferramentas para ajudar a identificar "adjacentes possíveis" de quem quer inovar, mas elas não são populares. A turma gostaria mesmo é de ser Steve Jobs e Bill Gates. Mas inteligência demais você sabe no que dá.