A meditação é a mais antiga técnica de autoajuda disponível para os seres humanos com a finalidade de controlar e observar a mente de maneira crítica. Como medicina é um conceito novo, mas as técnicas utilizadas fazem parte da antiga tradição de sabedoria da Índia.
Revisa sique - por Por Camila Ferreira-Vorkapic
A meditação se refere a uma variedade extremamente ampla de práticas que tem como objetivo central a alteração voluntária de estados e traços mentais. No entanto, as diferentes maneiras pelas quais se pode alcançar este objetivo se diferem significativaente e, por isso, não há uma definição clara com plena aceitação universal. A meditação tem sido desenvolvida e praticada por razões diversas, incluindo o cultivo do bem-estar e equilíbrio emocional, assim como para fins religiosos. Dentre as práticas mais comuns estão a concentração na respiração, a recitação de um mantra, a visualização de imagens específicas, o cultivo do estado de compaixão, entre outras.
Do ponto de vista cognitivo, a meditação pode ser conceituada como uma família de práticas regulatórias complexas emocionais que afetam eventos mentais por meio do engajamento de um conjunto específico de sistemas de atenção. Apesar de algumas tradições afirmarem não ter nenhum propósito ou objetivo específico, elas compartilham características comuns, como a de que cada prática representa uma técnica que precisa ser aprendida ou treinada. Em segundo lugar, presume-se que cada prática induza a um estado reprodutível e distinto, claramente indicado por determinadas características físicas ou cognitivas reportáveis pelo praticante. Em terceiro lugar, acredita-se que o estado induzido tenha um efeito previsível sobre a mente e o corpo de modo que, quando induzido repetidamente, possa trazer benefícios relevantes ao praticante e redução de traços mentais e comportamentais indesejáveis. No entanto, é importante lembrar que a meditação difere dos processos cognitivos comuns, sendo mais do que somente concentração, contemplação, postura ou até relaxamento. É uma técnica ou método de libertar a mente de emoções e distrações, permitindo uma percepção mais profunda de nós mesmos e do mundo que nos rodeia.
Todas as antigas escrituras relacionadas afirmam que o objetivo final é a iluminação, mas enquanto isso não é plenamente alcançado, podemos aproveitar os efeitos secundários desta prática milenar: relaxamento, apaziguamento das emoções, melhoras na atenção e concentração, alterações benéficas no funcionamento e morfologia do cérebro e até do sistema imunológico.
• Novo remédio
Um dos objetivos da meditação é induzir a um estado alterado e reprodutível durante a prática, com efeitos positivos e duradouros sobre o corpo e a mente. Partindo do pressuposto de que os diferentes estados mentais são acompanhados por diferentes condições neurofisiológicas, pode-se afirmar que a meditação induz a ocorrência de dois tipos de alterações psícofisíológícas. Mudanças no estado são mudanças de curto prazo que ocorrem durante ou imediatamente após a prática de meditação e se referem às alterações sensoriais, cognitivas e de autoconsciência. Tais mudanças podem incluir experiências de clareza de percepção, consciência, sentimento de calma ou tranquilidade ou de foco de atenção em direção ao objeto de meditação.
Algumas dessas modificações podem não estar diretamente relacionadas às mudanças induzidas pela prática e por isso são consideradas "efeitos colaterais" da meditação. Alguns exemplos incluem um profundo senso de equanimidade, a erradicação dos estados negativos, maior consciência das percepções sensoriais, maior sensação de conforto e mudança na experiência de pensamentos, sentimentos e autoconsciência. No entanto, já que as técnicas de meditação envolvem uma forma de treino de atenção, a função cognitiva que mais pode ser afetada pela prática da meditação é a atenção. Desta maneira, os efeitos neurofisiológicos da meditação sobre os processos de atenção e correlatos são os mais estudados.
A literatura relacionada fornece um grande número de resultados, já que existem diferentes práticas meditativas, metodologias e desenhos experimentais. Entretanto, algumas conclusões podem ser inferidas a partir das evidências já observadas. Uma delas é que as diversas técnicas de meditação resultam em diferentes efeitos no cérebro. As atenções concentrada e seletiva, cultivadas durante as técnicas de concentração, produzem melhoras significativas em habilidades específicas como a capacidade de ignorar e se desfazer de estímulos desnecessários ou distrações. Outros estilos de meditação cultivam uma atenção mais distribuída que, por sua vez, promove a habilidade de sustentar por mais tempo um estado de atenção e a flexibilidade de deslocá-Ia em direção a estímulos inesperados. (Fred Travis e Jonathan Shear (2010). Focused atiention, open monitoring and automatic self transcending: Categories to organize meditations from Vedic, Buddhist and Chinese Traditions. Consciousness and Cognition 19; 1110-1118).
Outro dado que tem sido demonstrado de forma consistente é que o aumento da atividade cerebral está relacionado com a profundidade do estado meditativo, que cresce à medida que a duração da sessão aumenta. Sendo assim, a quantidade de horas de prática ou o nível de experiência dos meditadores estão diretamente associados às diferenças na atividade e na anatomia de determinadas estruturas. Isto significa que a meditação é uma técnica que deve ser aprendida e aperfeiçoada ao longo dos anos, assim como aprender a tocar um instrumento musical. As consequências deste exercício são diferenças significativas em diversas áreas de aquisição de habilidades observadas somente nos cérebros dos meditadores. Estas diferenças refletem mudanças tanto de traço, resultantes da prática constante de meditação (longo prazo), quanto de estado, que ocorrem durante a prática (curto prazo).
Estudos com eletrencefalografia (EEG) e meditação observaram que o aumento de atividade de ondas alfa e redução de ondas teta durante a meditação representam um cérebro mais relaxado e orientado internamente, mas ao mesmo tempo mais atento e vigilante - o que mostra que a meditação está longe de ser um processo mental passivo, ao contrário, durante esta prática estão engajadas diversas estruturas e áreas que fazem parte da rede de atenção no cérebro. De acordo com essas pesquisas, a meditação representa uma poderosa ferramenta cognitiva de manipulação, equipando nosso aparato cognitivo com melhores opções de gerenciamento do estresse e ansiedade, já que parece justamente ser a nossa avaliação cognitivo-emocional das situações que determina o estresse experimentado subsequentemente.
• Ciência e cura
Recentemente, com a criação de uma área da Neurociência chamada Psiconeuroimunologia, pesquisadores notaram também que a meditação é capaz de fortalecer o sistema imunológico tanto de indivíduos saudáveis quanto de doentes. Quando pensamos em algo ruim, o pensamento gerado no córtex pré-frontal rapidamente se projeta para o sistema límbico, envolvido no processamento das emoções. O hipotálamo é então ativado e pelo eixo hípotalâmíco-pituitário adrenal (HPA) o cortisol (horrnônío do estresse) é sintetizado. Se esta condição for recorrente, o sistema imune acaba se enfraquecendo. Contrariamente, se com a prática de meditações específicas estes pensamentos forem substituídos por bons pensamentos, o impacto no sistema imune é evidente.
E foi exatamente isso o que os pesquisadores observaram. Em um estudo" com pacientes HIV positivos e que obviamente encontram-se estressados, observou-se que a meditação impediu o declínio de células CD4+ diminuindo a progressão da doença. Linfócitos CD4+ são considerados os "maestros" do sistema imunológico, coordenando sua atividade quando o corpo está sob ataque. Também são as células que atacam o vírus HIV. No entanto, no decorrer da doença, o vírus acaba devorando estas células, enfraquecendo todo o sistema imunológico. O estudo concluiu que dados os benefícios da redução do estresse pela meditação, tais efeitos protetores podem ser observados não só em pacientes HIV positivos, mas em todos aqueles que sofrem de estresse diariamente.
A meditação, assim como os medicamentos antidepressivos inibidores de recaptação de serotonina, aumentou expressivamente a atividade da serotonina no cérebro. Além do efeito no humor, a serotonina é capaz de estimular a produção de outro neurotransmissor, a acetílcolina, envolvida em mecanismos de atenção e memória. Estudos com tomografia por emissão de pósitrons (PET) mostraram também um aumento de aproximadamente 65% na produção de dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de bem-estar e ao sistema de recompensa.
O aumento na síntese de serotonina pode interagir com a dopamina durante a meditação, aumentando a sensação de euforia. Observou-se também um aumento da atividade de outro neurotransmissor, o ácido gama-aminobutírico (GABA), principal inibidor no sistema nervoso central. Este neurotransmissor desempenha um papel importante na regulação da excitabilidade neuronal induzindo a inibição de todo o sistema nervoso central e causando sedação. Além disso, o GABA é diretamente responsável pela regulação do tônus muscular.
Um estudo recente com ressonância magnética espectroscópica comprovou que no grupo que praticou meditação e ioga os níveis de GABA no cérebro aumentaram em quase 30%, em comparação ao grupo controle. Os autores concluíram que este pode ser um método não farmacológico eficaz de tratamento da ansiedade e de outros transtornos psiquiátricos. A pesquisa mostrou ainda que, como os níveis de GABA caem na doença de Alzheimer, pode-se aplicar a lógica de que a meditação pode ser benéfica para aqueles que sofrem desta patologia. A meditação também está associada ao aumento de melatonina plasmática, resultando em calma e menor percepção de dor.
A melatonina, hormônio sintetizado pela glândula pineal, é responsável pela regulação do sono e tem ainda função antioxidante. O aumento da atividade parassimpática (mencionado anteriormente) resulta em diminuição da estimulação de barorreceptores (receptores que monitoram a pressão hidrostática no sistema circulatório), levando à liberação do hormônio vasopressina, um antidiurético secretado em caso de desidratação. O aumento na produção deste hormônio durante a meditação é responsável por diminuir a autopercepção de fadiga, aumentar os níveis de alerta e ajudar na consolidação de novas memórias e aprendizados. A meditação também induz uma elevação significativa dos níveis do neurotransmissor beta-endorfina, responsável pela diminuição da sensaç&ati vel pela regulação do sono e tem ainda função antioxidante. O aumento da atividade parassimpática (mencionado anteriormente) resulta em diminuição da estimulação de barorreceptores (receptores que monitoram a pressão hidrostática no sistema circulatório), levando à liberação do hormônio vasopressina, um antidiurético secretado em caso de desidratação. O aumento na produção deste hormônio durante a meditação é responsável por diminuir a autopercepção de fadiga, aumentar os níveis de alerta e ajudar na consolidação de novas memórias e aprendizados. A meditação também induz uma elevação significativa dos níveis do neurotransmissor beta-endorfina, responsável pela diminuição da sensação dolorosa, facilitação de sensações de relaxamento e bem-estar, como também estimulação de todo o sistema imunológico.
O aumento da atividade parassimpática, a diminuição da noradrenalina, o aumento da atividade GABAérgica e serotonérgica, a diminuição dos níveis de cortisol e o aumento dos níveis de endorfina, todas essas alterações neuroquímicas produzem um poderoso efeito ansiolítico e talvez por isso a meditação esteja se tornando o tratamento não medicamentoso mais indicado no tratamento de transtornos mentais. As mudanças de estado experimentadas durante a meditação podem se transformar em traços, levando à consolidação em longo prazo e prevenção de futuros episódios de ansiedade, depressão, estresse e doenças psicossomáticas".
• Alterações morfológicas
Com todas estas modificações bioquímicas e funcionais no cérebro em consequência da meditação, não seria surpresa se fossem observadas também alterações morfológicas em estruturas específicas. De fato, pesquisas recentes comprovaram que técnicas de meditação estão diretamente associadas ao aumento da espessura de determinadas regiões corticais (massa cinzenta) relacionadas à atenção e ao controle do sistema nervoso autônomo. Estas regiões do córtex frontal incluem a insula anterior e as áreas de Brodmann 9 e 10 (promovem melhor integração cognição-emoção). O aumento da densidade de massa cinzenta e espessura cortical de regiões específicas do cérebro podem servir de indicadores objetivos para o aprimoramento de habilidades específicas de autorregulação. As técnicas de meditação envolvem o desenvolvimento e o treinamento de certas habilidades ou qualidades mentais, por exemplo, percepção das sensações do corpo, foco de atenção, regulação da emoção, etc. O que estes estudos recentes sugerem é que os constantes esforços de praticantes para modular a atenção, alerta e resposta emocional podem alterar significativamente circuitos neurais subjacentes no tálamo, hipocampo, córtex órbito-frontal, tronco. Além disso, o envolvimento regular na introspecção pode melhorar a capacidade de discernir dentre as mais variadas sensações viscerais sutis e aumentar a percepção de estados corporais e emocionais momentâneos.
Após 30 anos de pesquisa, o Departamento de Medicina Alternativa do National Institute of Health, nos Estados Unidos, publicou um documento que conclui que a prática da meditação resulta em: alteração da atividade de ondas cerebrais, redução significativa do consumo de oxigênio, aumento da atividade do sistema parassimpático, redução da produção de cortisol, aumento da síntese de neurotransmissores como serotonina, dopamina e GABA, maior produção de endorfinas e melatonina, aumento da densidade cortical de regiões específicas e da produção de linfócitos e leucócitos. Na verdade, podemos interpretar todas estas mudanças psicofisiológicas, neuroquímicas e anatômicas como modificações expressivas do funcionamento de diversos sistemas no organismo, comparadas em potência, somente ao uso de determinados medicamentos.
Todas estas mudanças acarretam em melhoras significativas da atenção e concentração e consequentemente da função cognitiva, aumento da sensação de calma, relaxamento e alegria espontânea, maior sociabilidade, melhores estados de humor, melhor sono e função imunológica. As implicações para a Psiquiatria são ainda maiores, já que a meditação pode representar um tratamento alternativo (primário ou secundário) de baixo custo com pouca ou nenhuma necessidade de atualização e com técnicas que podem ser incorporadas ao estilo de vida de qualquer indivíduo.
Além disso, as mudanças de estado geradas pela prática podem se transformar em traços ou características consolidadas, prevenindo futuros episódios de ansiedade, depressão, estresse e doenças psicossomáticas, até mesmo em pessoas saudáveis, e resultando num modelo eficaz de medicina preventiva. Por todos estes motivos, a prática está sendo considerada o remédio da nova era, capaz de ajudar no tratamento de diversas doenças sem nenhum efeito colateral. No entanto, a meditação não é nenhuma fórmula mágica, ao contrário, requer esforço e muita disciplina. Mas a boa notícia é que basta apenas querer para começar.
• Meditação budista
Mais recentemente, com a evidência dos efeitos da meditação especialmente no cérebro, pesquisadores vêm utilizando esta pratica com sucesso no tratamento de diversos transtornos mentais. Pesquisas recentes mostram que a rneditacão pode ser utilizada como tratamento principal ou secundário de transtornos de humor ou ansiedade como a depressão, estresse, sindrome do pânico, transtorno obsessivo-corroulsivo (TOC), assim como uma variedade de doenças crônicas. O mindfulness stress reduction (MBSR) ou redução do estresse baseado em meditação mindfulness, criado nos anos 1990 pelo médico Jon Kabat-Zinn, é um programa de terapia baseado em meditação mindfulness, um tipo de rneditação tipicamente budista. O programa destina-se à aquisi&cce