Há mais profissionais saindo das empresas para abrir o próprio negócio. O número de mulheres empreendendo já é quase igula ao de homens. Seis em cada dez jovens estão estudando para criar o próprio emprego. Saiba como surfar essa onda.
Revista Você S/A - por Adriana Carvalho e Wellington Miazaki
Faça um teste com seus colegas de trabalho. Pergunte a eles se alguém tem uma ideia de negócio que gostaria de colocar de pé. Se seus interlocutores forem jovens, é bem provável que a maioria deles tenha um projeto na ponta da língua. De acordo com uma pesquisa divulgada no mês passado pela consultoria DMRH/Cia de Talentos, de São Paulo, seis de cada dez jovens sonham em ter o próprio negócio. O levantamento considera estudantes dos dois últimos anos da universidade e profissionais com até dois anos de formado. Se entre os seus interlocutores houver mais mulheres, a resposta delas deve reforçar a fala dos jovens. As brasileiras já são as mais empreendedoras do mundo, segundo um estudo realizado em 2010 pela Global Entrepreneurship Monitor (GEM) e pelo Sebrae. Esses dados são indicadores de uma mudança que está em curso no mercado de trabalho. Até uma década atrás, ser empreendedor no Brasil era o destino de quem não tinha opção de carreira. A partir de 2003, o país começou se firmar como um lugar onde se empreende por oportunidade. Ou seja, onde a motivação para abrir uma empresa é ter
a sacada de um bom negócio.
Hoje, há no Brasil dois empreendedores por oportunidade para cada um por necessidade, é o que mostra a pesquisa do GEM-Sebrae. "A partir da metade dos anos 90, com o Plano Real e o fim da hiperinflação, o país começou a criar um ambiente econômico mais propício para o aumento do empreendedorismo por oportunidade", diz Bruno Caetano, diretor superintendente do Sebrae de São Paulo. Esse tipo de empreendedorismo é mais saudável para a economia porque está associado a uma chance de sobrevivência maior, já que geralmente é feito com mais planejamento. O Brasil tem 6 milhões de micro e pequenas empresas e uma taxa de 27% de novos negócios que não chegam aos dois anos de vida. "Há dez anos esse número era de 35%", diz Caetano.
Além da melhora na macroeconomia, outro fator importante foi o fato de terem surgido em diversas escolas de negócios e cursos universitários disciplinas que ensinam empreendedorismo. Como efeito, o perfil do empresário rejuvenesceu. Atualmente, 53% dos novos donos têm entre 18 e 34 anos. Essa geração investe em atividades variadas, a maior parte no comércio varejista, conforme a pesquisa do GEM-Sebrae. As trêS" iniciativas que mais aparecem no estudo são: 1) comércio de produtos farmacêuticos, artigos médicos e ortopédicos, de perfumaria e cosméticos; 2) vestuário e tratamentos de beleza; e 3) comércio eletrônico. A paulista Marina Gheler retrata essa realidade. Em 2005, aos 21 anos, ela recusou um convite para mudar-se para Santa Catarina, onde receberia um salário de 12 000 reais como gerente de uma multinacional de produtos odontológicos. Em vez disso, abriu uma loja de acessórios femininos que leva seu nome. Fez do trabalho de conclusão de curso que preparava para a faculdade de propaganda e marketing o seu plano de negócios. Vendeu o carro popular que tinha para os investimentos iniciais. Hoje tem quatro lojas para a venda de suas semi-joias e mais quatro a caminho, em regime de franquia. ""Acreditei que a empresa renderia mais dinheiro do que o salário", diz Marina.
Uma parcela dos novos empreendedores que estão surgindo no Brasil é formada por gente que trocou o conforto e a suposta segurança da carteira assinada pelo sonho de ter o próprio negócio. Alguns nem chegaram até aí: resolveram sair direto da faculdade para a concretização de um projeto profissional próprio. É o que mostra o levantamento feito pela consultoria de recolocação LHHIDBM, que registrou que, entre janeiro e julho deste ano, 20% dos profissionais que a procuraram em momentos de transição profissional resolveram pendurar a carteira assinada para empreender. "Hoje o empreendedor está mais maduro e, quando decide agir, o faz porque identificou uma boa oportunidade de negócio ou desenhou esse plano para sua carreira", diz José Augusto Figueiredo, vice-presidente de operações da LHHIDBM para o Brasil e a América Latina. "Mas ele sabe que não será dono de seu nariz porque seu "chefe" será seu cliente."
Na tentativa de destravar dúvidas que ainda pairam na mente de quem quer empreender, nesta edição a VOCÊ S/A responde a questões como: é preciso ter um plano de negócio? A experiência anterior faz diferença? Como vender a ideia ao investidor-anjo? Qual o passo a passo a percorrer? Como não repetir erros com base em histórias de quem já empreendeu?
- Quatro empreendedores e um conflito
Nem sempre a união de quatro histórias diferentes resulta em uma ideia vencedora. A de Victor Stabile, Vussif Neto, Felipe Oranges e Lourenço Sant"anna ainda vive sua prova de fogo sobreviver aos dois anos iniciais, tidos como cruciais na vida de qualquer empreendedor -, carrega decisões ousadas, algumas certezas e um conflito. Para montar há quatro meses o iPostal, o administrador Vussif, que trabalhou por um ano como analista na consultoria A.T. Kearney, e Felipe, analista por dois anos no banco Safra, tiveram de abrir mão de carreiras promissoras em grandes empresas para entrar de vez no negócio. Felipe chegou a titubear. Foi à China, onde um mundo de novidades o motivou. "Enviei um e-mail para eles durante a viagem dizendo que topava."
Da turma, o engenheiro físico o Victor é o empreendedor nato. Sem a experiência da carteira assinada, saiu da faculdade Direto para a realização de um sonho: o de empreender. Antes da iPostal, já havia fundado, há dois anos, a Hi!China, uma escola de mandarim, que continua existindo paralelamente.
Já Lourenço Sant"anna é o investidor do negócio. Formado em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina, continua trabalhando em uma produtora e espera o lucro do investimento chegar. Um dos grandes desafios a ser vencido pela iPostal hoje é de cunho familiar: a alta expectativa e a pressão. "Elas [as famílias] eram contra e diziam que a decisão de largar o emprego para empreender era precipitada. Tive que explicar que esse era o momento, pois, se algo desse errado, ainda daria tempo de voltar para o mundo corporativo", afirma Vussif, com certo ar de tranquilidade.
• Quando trocar o salário pelo pró-labore
Para os jovens, não é um dilema. Para os mais velhos, é a decisão mais difícil.
Para abrir um negócio, é preciso coragem. Se a pessoa está empregada, uma dose extra de ousadia", diz Marcelo Marinho Aidar, coordenador adjunto do centro de empreendedorismo da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Deixar o emprego para virar empreendedor significa perder, imediatamente, o salário, os benefícios, as férias pagas e os depósitos feitos pela empresa no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A decisão é mais difícil quanto maiores o cargo e o tempo de registro em carteira. Ainda assim, mais profissionais experientes têm voluntariamente saído das empresas, segundo os dados dos quatro últimos anos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho. Parte dessa turma vira dono. A consultoria de recolocação profissional LHHIDBM, por exemplo, registrou que, entre janeiro e julho deste ano, 20% dos profissionais que a procuraram em momentos de transição de carreira resolveram abandonar a carteira assinada para criar uma empresa. De acordo com os 20 empreendedores (todos ex-empregados) ouvidos pela reportagem da VOCÊ S/A, eles deixaram o emprego porque perceberam uma oportunidade de negócio, têm ambição de construir algo maior do que o que estavam fazendo no antigo trabalho e não encontraram espaço na empresa para novas ideias. Antes de pedir demissão, é fundamental colocar no papel a ideia - ter um plano de negócios. Outras providências são: pesquisar o mercado, conversar com empresários bem-sucedidos e ter uma reserva financeira. "O empreendedor deve baixar seu padrão de vida no começo. O pró-labore (sua remuneração) não deve passar de 5 000 reais por mês", diz Romero Rodrigues, de 36 anos, presidente do site Buscapé e investidor-anjo, com tem aportes de 50 000 reais a 200 000 reais em oito companhias.
- O chefe virou sócio
O médico paulista Luiz Tizatto, de 30 anos, ex-consuLtor de saúde, aproveitou as oportunidades na Global Care, último emprego com carteira assinada, para estudar gestão de negócios em Harvard, nos Estados Unidos. Voltou de lá com uma ideia e dividiu com seus chefes, que viram a chance de explorar um novo mercado. O serviço oferece aparelhos de captura de sinais vitais, como pressão, temperatura, peso, nível de glicemia, que são conectados via Bluetooth a um receptor que transmite as informações, por internet ou rede de celular, a uma central onde os dados são analisados. Dessa forma, o paciente é monitorado 24 horas por dia, sem interrupções. A Unicare Saúde existe há dois anos e tem Luiz como presidente e seus ex-chefes como sócios.
• Plano de negócio, precisa?
Sim, mas tenha em mente que ele não deve ser uma camisa de força.
Para quem quer buscar financiamento para sua ideia, ter um plano de negócio bem detalhado é muito importante. "Não conheço nenhum investidor que entraria em um novo projeto sem antes ler o plano de negócio. Seria como pagar caro por uma viagem de turismo sem conversar com o vendedor de uma agência de viagens", diz Luiz Mesquita, do Insper, faculdade de economia e administração de São Paulo. "O turista vai querer saber tudo sobre a segurança do navio do cruzeiro, se esse for o pacote escolhido, os pontos de parada, as refeições. Tudo deve estar explícito." A partir do início do funcionamento da empresa, o plano precisa ser constantemente revisto, para se adequar à realidade encontrada. "O empreendedor não deve ter um plano engessado e ser, por exemplo, obrigado a contratar o número de pessoas que imaginava necessário", diz Marcelo Salim, responsável pelo Centro de Empreendedorismo do Ibmec, escola de negócios no Rio de Janeiro.
- Na hora de escrever seu plano de negócio...
... não apele para sentimentalismos. Seja objetivo para ser levado a sério.
... faça com calma. Será preciso elaborar e procurar informações com cuidado para ter um plano consistente.
... não assassine o português. Erros gramaticais e ortográficos podem passar uma imagem negativa aos investidores.
• Competências distintas
O engenheiro Carlos Souza pediu demissão para bater à porta de investidores, que se negaram a colocar dinheiro em sua ideia. Ele criou a empresa com o apoio de amigos.
Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica CITA), o capixaba Carlos Souza, de 36 anos, trabalhou por oito anos como gerente sênior de marketing na P&G, onde era responsável por grandes marcas, como Gillette, Pampers, Ace, entre outras. Apesar da carreira promissora, Carlos sempre teve a ambição de ser empreendedor. Em 2011, começou a colocar o sonho em prática. Pediu demissão em fevereiro e deu início a um período de pesquisas nos Estados Unidos para identificar uma oportunidade. "Eu não sabia exatamente o que ia fazer. Por isso, pesquisei. Li muito, conheci diferentes modelos de negócios, conversei com vários empreendedores, até encontrar algo que me interessasse." Em setembro do mesmo ano, quando voltou ao Brasil, foi procurado pela P&G para voltar ao trabalho. Carlos recusou a oferta, pois já havia definido que iria investir em um negócio de educação a distância.
Assim nasceu o Portal Veduca, um site que hoje oferece gratuitamente 4 800 videoaulas de 11 universidades renomadas dos Estados Unidos e da Austr&aa , Pampers, Ace, entre outras. Apesar da carreira promissora, Carlos sempre teve a ambição de ser empreendedor. Em 2011, começou a colocar o sonho em prática. Pediu demissão em fevereiro e deu início a um período de pesquisas nos Estados Unidos para identificar uma oportunidade. "Eu não sabia exatamente o que ia fazer. Por isso, pesquisei. Li muito, conheci diferentes modelos de negócios, conversei com vários empreendedores, até encontrar algo que me interessasse." Em setembro do mesmo ano, quando voltou ao Brasil, foi procurado pela P&G para voltar ao trabalho. Carlos recusou a oferta, pois já havia definido que iria investir em um negócio de educação a distância.
Assim nasceu o Portal Veduca, um site que hoje oferece gratuitamente 4 800 videoaulas de 11 universidades renomadas dos Estados Unidos e da Austrália. A receita da empresa vem da publicidade veiculada no site, segundo Carlos, O Veduca foi fundado por ele e três sócios - André Tachian, Eduardo Zancul e Marcelo Mejlachowicz -, que juntos investiram 150 000 reais no projeto. O site foi lançado oficialmente em março deste ano e recentemente recebeu aporte financeiro de um fundo de investimento estrangeiro. Carlos não divulga o valor nem qual foi o fundo. Desde então, o site já contabiliza meio milhão de visitantes e 3 milhões de page views. "Acho importante os quatro sócios terem características bem complementares. Eu tenho a visão do marketing. O André é um gênio da informática. O Eduardo tem uma carreira acadêmica forte e é professor titular na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. E o Marcelo tem grande experiência em finanças", diz Carlos, engenheiro conta que ele e os sócios bateram à porta de alguns investidores antes de decidir utilizar o capital próprio, mas receberam "não". "Hoje vejo que o melhor é colocar o projeto em funcionamento e começar a gerar resultados antes de procurar um investidor. Depois que começamos, foi mais fácil conseguir a grana", diz Carlos.
- Ser arrojado ajuda
O engenheiro de produção Gustavo Milego Pereira, de Sorocaba, interior de São Paulo, deixou, aos 30 anos, uma promissora carreira na empresa de serviços tecnológicos NeoGrid para montar uma loja na internet e vender no Brasil uma nova marca de tênis. Gustavo trabalhava na Neogrid havia quatro anos como gerente comercial quando conheceu o tênis Spira em abril de 2010, ao participar de uma maratona. "Fiquei impressionado com a tecnologia do calçado, que devolve mais de 90% da energia de impacto da pisada", diz Gustavo, que procurou a empresa e disse que a Spira, que já atuava na Europa e no Japão, precisava estar no Brasil e que ele era o melhor canal para isso. A estratégia funcionou. O investimento inicial foi de 250 000 reais, com dinheiro financiado pela Caixa. A loja virtual começou a operar em agosto.
Claro que sim, se você teme ser copiado por qualquer pessoa, então já tem um problema para resolver antes de começar o negócio.
"Tenho uma ideia de um novo negócio sensacional", diz o aspirante a empreendedor ao potencial investidor. "É mesmo? Então me conte", responde o investidor. "Não, não vou contar porque você pode roubar minha ideia", diz o empreendedor. O diálogo que você acaba de ler não é uma piada e já foi travado algumas vezes pelo presidente do site de comparação de preços Buscapé, Romero Rodrigues - que também é um investidor-anjo -, com pessoas que o procuram em busca de recursos para viabilizar seus negócios. Romero dá a dica: um dos segredos de um bom negócio não é guardar sigilo sobre ele, mas pensar em quais serão os diferenciais que o tornarão difícil de ser copiado pelos concorrentes. A ideia de um site de comparação de preços como o Buscapé, por exemplo, pode parecer algo simples de ser reproduzido. "Soube de gente que chegava para redes de varejo e dizia: "Estou abrindo um site como o Buscapé, você pode me mandar os arquivos de preços dos produtos, como manda para ele?". E os varejistas respondiam: "Mas a gente não manda nada, eles é que fazem a captura dos preços". Só então as pessoas percebiam que era a nossa ferramenta tecnológica que fazia funcionar o negócio e que ele não era fácil de copiar", diz Romero, que aconselha a exibição da ideia ou do plano de negócios sem restrição.
• Ter uma rede de relacionamentos faz a diferença
O networking é fundamental para o sucesso de seu novo empreendimento
1 - Uma boa rede de relacionamentos não serve só para divulgar o produto ou serviço. Ela é importante para a construção do negócio. Não tenha vergonha de pedir ajuda a amigos: advogado nas questões legais e jornalista no release.
2 - Dê notícias e .apareça: participe de palestras, congressos, feiras e seminários.
3 - Lembre-se .de que, para preservar os relacionamentos, esse é um caminho de mão dupla. Assim como os amigos o ajudam, você deve estar disponível para ajudá-los.
4 - Informe à sua rede sobre os novos passos de sua empresa, divulgue sempre as novidades. Para isso, crie uma página corporativa no Facebook.
• Elas planejam melhor
As brasileiras estão entre as mais empreendedoras do mundo, representam 49% dos negócios no Brasil e suas ideias são mais bem-sucedidas do que as deles.
Apesar de o número de empresárias no Brasil ser um pouco inferior ao de homens, elas estão entre as de maior iniciativa do mundo, segundo uma pesquisa realizada pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), em 2010. Elas representam 49% dos negócios brasileiros, número que coloca o país no quarto lugar do ranking de mulheres empreendedoras entre as 54 nações pesquisadas. O estudo também mostrou que as brasileiras estão trabalhando de modo mais planejado e consistente: do total de empreendedores no país por oportunidade, 53% são mulheres e 47%, homens.
Segundo a economista Gina Paladino, que acompanhou o estudo do GEM, entre as principais características femininas está um maior nível de preparo: elas planejam melhor e procuram compreender mais o mercado em que atuam. Quanto às firmas criadas