Experiências recentes associam a carne vermelha a seis tipos de tumor. Três mil especialistas reunidos no Rio de Janeiro alertam para ter cuidado com ela.
Revista Superinteressante - Por Denis Russo Burgierman e Sônia Maia
De acordo com o julgamento das maiores autoridades do planeta no combate ao câncer, só o cigarro pode ser mais perigoso do que uma picanha na brasa. Daqui para a frente, o rodízio e outros cultos da carne passam a ser o inimigo público número 2 segundo a bancada de juízes reunida no 17º Congresso Mundial do Câncer, em agosto, no Rio de Janeiro. Quem acha que essa é outra moda passageira vai muudar de idéia quando ficar sabendo que, segundo os médicos, 35% de todas as mortes por câncer se devem, em boa parte, ao abuso no consumo de filés, lombos e lingüiças.
Nos países ricos o trauma será menor porque boa parte da população já vinha empurrando o vermelho para fora da paleta alimentar. Agora, com o veredicto dos cancerologistas, o destino do bife mal passado, no mundo todo, é se tornar ator coadjuvante em cardápios cada vez mais dominados por plantas e por delicadas receitas à base de peixes e frangos.
Nesta década os médicos perceberam que também tinham que se preocupar com outra sinistra coleção de moléstias, a dos tumores malignos. Até 1990, apenas um câncer havia sido relacionado ao açougue,o do intestino, o terceiro que mais mata no mundo. Mas, de lá para cá, apareceram os da boca, da faringe e do estômago, o campeão de mortes no Brasil. E, este ano, estudos preliminares estão revelando ataques a mais dois órgãos, o seio e a próstata. Segundo previsões do Instituto Nacional do Câncer, os tumores do estômago terão sido responsáveis pela morte de 13.200 brasileiros em 1998. Isso faz dele o mais letal do país (o segundo colocado é o que ataca o pulmão, com 12.700 vítimas).
Outra hipótese é a de que o enxofre contido nos medalhões e escalopes possa estar participando de uma conspiração terrível, ao lado de uma infinidade de pequenas foras-da-lei. São as bactérias moradoras do intestino, denuncia o oncologista Cummings. "É quase certo que as toxinas expelidas pelas bactérias ao devorar o enxofre colaboraram para o aparecimento da doença." No começo deste ano, Cummings fez uma experiência que confirma a hipótese.
Outra substância perigosa contrabandeada para dentro do organismo é o chamado amino heterocíclico. Apesar de não existir nas proteínas cruas, ele é criado pelo calor da grelha ou da panela, formando aquele pretinho crocante dos churrascos e das frituras. "Os aminos acabam no interior das células, onde se ligam ao DNA e provocam mutações cancerígenas", diz Barbara Pence, da Universidade Técnica do Texas, nos Estados Unidos. Ela demonstrou que, em altas doses, esses compostos chamuscados atacam o intestino e o estômago de ratos. Em novembro, os saborosos suspeitos foram também associados ao câncer do seio.
Cientistas ingleses desmascaram um conluio de bactérías para criar células malignas.
- 1 Um voluntário fica numa sala lacrada, onde o ar entra e sai por tubos dotados de válvulas. Controlando o tubo de saída, sabe-se quais são os gases produzidos pelo sistema digestivo da cobaia.
- 2 Os cientistas dão ao cidadão uma dieta de carne vermelha, que contém enxofre e hidrogênio, e esperam, mais tarde, durante a checagem, encontrar este último entre os gases gerados na sala.
- 3 No final da experiência, entretanto, acham muito pouco hidrogênio e passam a desconfiar que ele poderia estar sendo consumido dentro do intestino do voluntário. Decidem procurar quem é o ladrão de gás.
- 4 Exames revelam bactérias chamadas dessulfovibrio, capazes de combinar hidrogênio e enxofre para obter energia. Elas expelem um composto tóxico,odióxido de enxofre, que é cancerigeno.
Dito de outra maneira, você até pode adotar uma dieta 100% vegetariana e desistir de toda comida animal - ovo, leite, queijo, peixe, frango e boi. Só que, aí, vai ter que comer muito feijão para compensar. Seria preciso engolir, por dia, 1 quilo da leguminosa mais presente na dieta brasileira para suprir todas as suas necessidades de aminoácidos. Por isso, os nutricionistas não acham boa idéia abandonar de vez os pratos de origem animal. "Eu aconselho consumir até 80 ou 100 gramas de carne vermelha a cada 24 horas", conta a holandesa Wya van Staveren, pesquisadora da Universidade Wageningen. Desde que não seja todos os dias: "Umas três vezes por semana, deve-se substituí-la por peixe, ovo, queijo ou leite", acrescenta Wya. A meta, aqui, é justamente ampliar a oferta de aminoácidos diferentes.
"O segredo da boa saúde é mesmo a variedade", afirma o gastroenterelogista Dan Weitsberg, editor da Revista Brasileira de Nutrição Clínica. Consumindo de tudo um pouco, o corpo aproveita melhor o que entra. O oncologista Saxon Graham, da Universidade do Estado de Nova York, diz que dá para garantir a saúde mesmo consumindo carne todos os dias, desde que não faltem vegetais no menu. "Se ela eleva o risco de câncer", argumenta ele, "as plantas, em compensação, reduzem o perigo." Saxon lembra que não se sabe bem como a coisa funciona, mas o fato é que quem tem uma boa dieta verde conquista a capacidade de consertar danos feitos pela carne no DNA, antes que os estragos virem tumor. É, ao mesmo tempo, uma boa notícia e um argumento definitivo a favor de mais pluralidade na bandeja.
Cada almoço e cada jantar devem oferecer uma boa diversidade.
Proteína
A matéria-prima do corpo, Com elas, você produz sangue e outras células, Ela está nas nas carnes, nos queijos, nos ovos e em vegetais como a soja e o feijão, A dose diária é de 90 gramas de carne ou dois ovos.
Gordura
A grande vilã dos cardíacos não é de todo má, Sem ela, o corpo não absorve vitamina C. A recomendação é evitar excessos, especialmente a da pele de frango e da carne vermelha.
Energia
Os açúcares, encontrados nos doces e frutas, e os carboidratos, no milho, arroz e batatas, liberam nas células a energia que faz tudo funcionar. Três a cinco copos de cereais ao dia fornecem a quantidade de que você precisa.
Vitaminas e minerais
Fazem o corpo usar a comida sem desperdício. Frutas e verduras têm vitamina C; leite, cálcio; carne, vitamina B e ferro. A medida é três a cinco copos de folhas ou legumes picados.
Fibras
Duras demais, não são dígeridas. Passam direto pelo intestino e varrem toda a sujeira. Estão em frutas, arroz, trigo, centeio, cevada. Você completa a cota com duas ou três maçãs ao dia.
Não é só uma frase de efeito. Aqui, como em muitos países, rola, mesmo, uma onda verde, que tende a afogar os adeptos da lingüiça em um mar de almeirão. Uma pesquisa feita em outubro pela revista americana Cancer mostra que houve um crescimento de 20% no consumo de vegetais, nos Estados Unidos, desde 1973. Não é à toa que a Burger King, a segunda maior cadeia de lanchonetes do mundo, resolveu fazer um teste e lançou, em 1996, um hambúrger de soja nos Estados Unidos. A empresa afirma que ainda não tem uma avaliação definitiva, mas considera que, até agora, o resultado tem sido "interessante".
A força das hortaliças é ainda mais clara na Inglaterra, a meca mundial dos vegetarianos. Lá, mais de 5% da população já é adepta dessa religião alimentar. E, de acordo com um levantamento do Instituto Gallup, feito há dois anos, 46% dos ingleses estavam cortando a carne vermelha das refeições.
A força das hortaliças é ainda mais clara na Inglaterra, a meca mundial dos vegetarianos. Lá, mais de 5% da população já é adepta dessa religião alimentar. E, de acordo com um levantamento do Instituto Gallup, feito há dois anos, 46% dos ingleses estavam cortando a carne vermelha das refeições.
Não são apenas os vegetais que tendem a expulsar a proteína animal dos menus. A carne branca, representada pelo frango, também participa do movimento. Embora tenha uma quantidade um pouco menor de alguns minerais importantes, como zinco e ferro, é muito nutritiva e não tem tanta gordura quanto a dos bovinos. Além disso, não está sendo indiciada por causar doenças letais, como esta última.
Frangos no alto
As estatísticas demonstram que, na Europa e nos Estados Unidos, o frango voa alto, enquanto a vaca vai para o brejo. Nos dois lugares, o consumo de picanha vem caindo devagar, mas com firmeza, nos últimos dez anos. O tombo foi de aproximadamente 20% nos países europeus e de 7,5% nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a procura pelo frango vem subindo aos saltos. As taxas de crescimento são de 40%, nos Estados Unidos, e de 20% na Europa. No Brasil, apesar de a carne vermelha ter crescido 40%, a subida dos galinácios é ainda mais extra-ordinária, de 100%.
"A redução no consumo é mais acentuada nos países ricos", explica o especialista em comércio internacional de alimentos Frank Fuller, da Universidade do Estado de Iowa, nos Estados Unidos. "Nesses países, existe uma busca crescente por cardápios mais saudáveis." Já os pobres, que antes não tinham acesso à cara carne vermelha, estão se aproveitando da queda internacional dos preços. A carne bovina também ganha adeptos no Oriente, lembra Fuller. Os casos extremos, segundo ele, são o Japão e a Coréia do Sul. Na Coréia, o consumo mais do que dobrou em dez anos. Fuller suspeita que esses povos estejam, como retardatários, imitando o hábito ocidental de exagerar nos hambúrgueres e filés.
O que é grave. Segundo Cummings, o especialista de Cambridge, os cânceres do sistema digestivo, antes quase inexistentes, estão começando a aparecer com freqüência cada vez maior naqueles países. É sinal de que a troca de sua mesa tradicional, farta em peixes, pelo anacrônico modismo ocidental está custando caro. Não é bom negócio ignorar o julgamento dos médicos reunidos no Rio. Até que sejam apresentadas novas provas, fica valendo a sentença: o bife só pode se aproximar de seu prato de vez em quando.
Para saber mais
The Nutrition Desk Reference. Robert Garrison e Elízabeth Somer, Keats Pub, New Canaan. 1997.
The Vegetarian Life: How to Be a Veggie in a Meat-Eating World. Elizabeth Ferber, Berkley Pub Group, Berkley, 1998.
Na Internet: www.ganesa.com