O aumento da oferta de trabalhadores graduados começa a transformar o diploma em commodity. E esta é uma boa notícia.
Revista Época Negócios - por Alexandre Teixeira
Ao mesmo tempo caus e consequência da desigualdade social entre os brasileiros empregados, o abismo salarial que separa trabalhadores com e sem diploma universitário começou a diminuir. Depois de atingir o ápice em 2007, quando funcionários graduados ganhavam 159% a mais do que empregados de nível médio, a curva da disparidade sofreu uma inflexão nos dois anos seguintes. Em 2009, último ano com estatísticas disponíveis, a diferença já havia caído para 146%. Os dados, que têm como fonte primária a Pesquísa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, fazem parte de um estudo ainda inédito do economista Naercio Menezes Filho, do Insper, um centro de ensino e pesquísa nas áreas de negócios e economia.
O que explica a reversão da tendência de supervalorização do trabalhador diplomado é a popularização do ensino universitário na última década. Entre 2001 e 2009, foram abertas quase mil faculdades e o número de alunos praticamente dobrou. O Censo da Educação Superior de 2009 mapeou 2,3 mil instituições de ensino, com 5,95 mil alunos matriculados - 75% deles em escolas pagas. É este brutal aumento da oferta de mão de obra formada em faculdades que explica a relativa perda de relevância econômica da graduação nos últimos anos. E não uma queda na de manda por trabalhadores graduados. Ao contrário. O diploma ainda vale muito. Em 2009, pagavam-se, em média, R$1.l69 para trabalhadores que estudaram até o ensino médio e R$ 2.880 para profissionais com nível superior. "Continua sendo um impacto substancial", afirma Menezes. Estima-se que o nível de desemprego entre brasileiros diplomados seja um terço da taxa média de desocupação no país.
Longe de desprezar a mão de obra de nível superior, as empresas tratam é de elevar seu grau de exigência. Com o diploma universitário transformado em commodity, a diferenciação passou a estar em mestrados, doutorados, MBAs e Ph.Ds. Em 2009, um profissional com pós-graduação ganhava, em média, R$ 4.856, comparado aos R$ 2.880 dos colegas com terceiro grau completo. É um salto de 68,5%, conquistado com dois anos a mais de estudo. Em 1999, a diferença entre graduados e pós-graduados ficava em 32,5%.
• Nova classe média
A diminuição da lacuna entre diploma dos e não diplomados é parte de um movimento desejado de queda da desigualdade de oportunidades. A consultora Priscila Simões, sócia da Expertise Educação, dedicou sua tese de doutorado ao tema. Defendida na USP no ano passado, ela revela que, entre 2004 e 2008, a participação dos alunos com renda de até três salários mínimos no ensino superior privado brasileiro cresceu 84,5%. A fatia daqueles com rendimentos entre três e cinco salários mínimos aumentou 52,6%. Com isso, 70% do total de alunos do ensino superior privado passou a se concentrar nas faixas de renda de até dez salários mínimos.
Outro estudo recente, da Hoper Educação, uma consultoria especializada em ensino, atribui o crescimento do número de estudantes de baixa renda no ensino superior a dois fatores principais: a queda no valor médio das mensalidades das faculdades privadas (24% entre 1999 e 2008) e a criação, pelo governo, do ProUni, um programa que vem beneficiando com bolsas de estudo aproximadamente 100 mil estudantes por ano. É um número apenas razoável quando se leva em conta que cerca de 1 milhão de brasileiros concluem o ensino médio e não passam à universidade por falta de recursos. "O fato de essa ser a primeira geração a ingressar no ensino superior na família carrega alto valor simbólico, tanto para os alunos quanto para os familiares", escreve Priscila em sua tese. A educação é vista como o principal instrumento de ascensão social e de melhora na qualidade de vida. Mas também como uma oportunidade de conviver com pessoas de regiões, religiões e ideias diferentes.
Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra, os Estados Unidos passaram por um processo semelhante de popularização do ensino universitário. Hoje, questiona-se a educação superior universalizada tanto no âmbito financeiro como no filosófico. A crise econômica e a consequente falta de empregos para quem sai da universidade fazem a maioria dos americanos (57%) achar que o diploma não com pensa os gastos pesados para as famílias. Em 25 anos, as mensalidades subiram 467% nos Estados Unidos, ante uma inflação acumulada de 107%. Na academia, o debate é outro: o papel da universidade é educar um número pequeno de pessoas em um padrão muito elevado ou estender as oportunidades educacionais tanto quanto possível, a um padrão não tão alto?
• Teste de Q.I.
Em um artigo publicado no mês passado na revista The New Yorker, Louis Menand, um professor de Harvard premiado com o Pulitzer de ensaio cultural, afirma que a sociedade precisa de um mecanismo para separar seus membros mais inteligentes dos demais, assim como uma equipe esportiva necessita de uma ferramenta para separar os atletas mais rápidos dos mais lentos. ""A faculdade é, essencialmente, uma prova de inteligência de quatro anos", escreve Menand. Segundo ele, "se você gosta desta teoria, então não importa quais cursos os estudantes fazem, nem mesmo o que é ensinado a eles, desde que haja rigor suficiente para o mecanismo de separação cumprir seu papel".
Este que Menand descreve é o sistema meritocrático de educação superior, ao qual se contrapõe o democrático, que dominou os Estados Unidos no pós-guerra e praticamente universalizou o ensino universitário. "Hoje existe uma carteira para virtualmente qualquer um com diploma de nível médio que queira frequentar uma faculdade", afirma Menand. Os entusiastas do ensino meritocrático temem que, com tantos americanos indo para a faculdade, o diploma de bacharel esteja perdendo seu significado e logo deixe de funcionar como um identificador confiável de potencial produtivo. É esta discussão que chega agora ao Brasil. De modo bem prematuro.
Não há nada que se pareça com universalização do ensino superior por aqui. Pelas contas da Unesco, apenas 24 % dos jovens brasileiros são considerados potenciais estudantes universitários. Nos Estados Unidos, são 83%. Na Argentina, 65%. Dados do Ministério da Educação dão conta de que, na faixa entre 18 e 24 anos, somente 13,2% dos brasileiros estão matriculados em faculdades. Analisando a população como um todo, só 11% tem diploma universitário. Essa mesma taxa nos países mais desenvolvidos, reunidos na OCDE, fica na média de 28%.
É justamente a carência ainda notável de trabalhadores com nível superior que explica por que, no Brasil, seus salários são tão mais altos que os dos profissionais sem diploma. Nos Estados Unidos, a diferença salarial é de 62%. No México, onde as faculdades também ainda são para relativamente poucos, o gap é de 124%. Dos principais países, só a China supera o Brasil nesse quesito. Um chinês graduado ganha, em média, 200% mais que um conterrâneo com menos estudo.
De todo modo, a discussão sobre qualidade versus quantidade pegou por aqui. Para Alex Dias, principal executivo da Anhanguera Educacional, um dos maiores grupos privados de educação da América Latina, o Brasil ainda está preso ao modelo clássico de educação superior, definido na virada da Alta Idade Média para a Renascença, quando as primeiras universidades foram criadas. Ele privilegia o aluno em tempo integral, que não trabalha durante os anos de estudo e aproveita a convivência com outros da mesma classe para fortalecer laços sociais e econômicos que duram por toda a vida. "É um modelo que, aparentemente, privilegia a meritocracia", afirma Dias. Em tese, cabe às universidades "indicar à sociedade os melhores, mais aptos e intelectualmente superiores para assumir posições de maior relevância social".
Faz sentido se a ideia é manter a universidade restrita a uma elite. Mas é um contrassenso num momento de ampliação do acesso à educação superior, com a inclusão de estudantes vindos de famílias mais pobres, mais diversos etnicamente, mais velhos e com menos tempo para estudar (já que precisam trabalhar). "Muitas vezes, são os primeiros de suas famílias a ter acesso à educação superior e buscam essa possibilidade tendo como principal motivação aumentar suas condições de ascensão social", afirma Dias. "Não é apenas com instituições de ponta que conseguiremos colocar mais alguns milhões de jovens dentro de uma universidade na próxima década."
• Demanda reprimida
A explicação para a ascensão e queda do valor do diploma é histórica. "Desde a industrialização, há uma demanda reprimida por profissionais de nível universitário no país", afirma Menezes, o pesquisador do Insper. Até o ano 2000, a procura por trabalhadores com nível superior (15 a 16 anos de estudo) vinha superando a oferta ano após ano. Da virada do século em diante, porém, a oferta total de formandos aumentou mais que a demanda e derrubou o valor médio do diploma - embora isso não valha em todas as carreiras. A superoferta é um fenômeno dos cursos de ciências humanas, como administração e direito. Dos quase 6 milhões de alunos matriculados em instituições de ensino superior em 2009, 1,1 milhão cursava administração. Em áreas técnicas, sobretudo na engenharia, a procura continua crescendo mais que a oferta.
Mas isso começa a mudar. Ao mesmo tempo em que caia procura por cursos de direito e administração, cresce a demanda por diplomas de engenharia. De acordo com estudo da Hoper Educação o número de matrículas nesta área subiu 33% em dois anos - pelo menos em parte como reação à mudança de cenário no mercado de trabalho. Estudantes e familiares devem estar se perguntando: vale a pena pagar por um curso de administração?
Há quatro anos, o Insper criou o Centro de Desenvolvimento do Ensino e Aprendizagem, com a missão de responder a algumas perguntas espinhosas: quanto a escola gera de valor para a sociedade? qual o seu papel no país? "É uma discussão bem avançada na iniciativa privada que se tornou fundamental na nossa área", diz Carolina da Costa, a coordenadora do centro. O Insper é uma instituição sem fins lucrativos. "Na prática, isso significa que o governo nos isenta de impostos por que confia que estamos gerando benefícios à sociedade. Será que estamos?"
No ano passado, o Insper cruzou as disciplinas em que forma seus alunos com as competências exigidas pelas empresas, como pensamento crítico e capacidade de resolver problemas complexos. Como encontrou lacunas, decidiu revisar o currículo dos cursos. Já no primeiro semestre, os estudantes passam a ter aulas de pensamento crítico e ética baseadas na discussão de dilemas do dia a dia. E, a partir de agosto, os 80 alunos do penúltimo no vão resolver problemas reais dentro de empresas parceiras. Ambev, Amil, Bauducco, Natura, Ultracargo e Votorantim estão entre as primeiras empresas a associar-se à escola.
Na Natura, os alunos devem se apresentar em agosto para um programa de quatro meses que demandará cinco horas por semana. São dez estudantes divididos em dois projetos. Cinco deles irão para a área de logística. Vão se juntar a uma força tarefa que discute como melhorar o processo de recebimento de insumos e produtos acabados no centro fabril da companhia, em Cajamar, na Grande São Paulo. Os outros cinco vão para a força de vendas. Seu desafio é criar um manual de melhores práticas para os 40 gerentes de vendas da empresa. Ao associar-se ao Insper, a Natura busca se aproximar desses estudantes. "Vamos ten os 80 alunos do penúltimo no vão resolver problemas reais dentro de empresas parceiras. Ambev, Amil, Bauducco, Natura, Ultracargo e Votorantim estão entre as primeiras empresas a associar-se à escola.
Na Natura, os alunos devem se apresentar em agosto para um programa de quatro meses que demandará cinco horas por semana. São dez estudantes divididos em dois projetos. Cinco deles irão para a área de logística. Vão se juntar a uma força tarefa que discute como melhorar o processo de recebimento de insumos e produtos acabados no centro fabril da companhia, em Cajamar, na Grande São Paulo. Os outros cinco vão para a força de vendas. Seu desafio é criar um manual de melhores práticas para os 40 gerentes de vendas da empresa. Ao associar-se ao Insper, a Natura busca se aproximar desses estudantes. "Vamos tentar "naturalizá-los" ao máximo", afirma Rogério Chér, diretor corporativo de RH da Natura.
No caso da Votorantim, 15 alunos da graduação em administração da escola se engajarão em projetos nas unidades de cimento e metais, onde terão dois mentores: um professor do Insper e um gestor da empresa. Os alunos terão um horário semanal para se dedicar ao projeto que lhes cabe, seja participando de reuniões na Votorantim, visitando unidades de produção, mineração e logística ou fazendo pesquisas no próprio Insper. Em meados de maio, a Votorantim trabalhava na definição dos projetos para os quais os alunos serão destacados. A dinâmica deve se repetir na Ambev. Separados em dois grupos (de cinco ou seis), os alunos trabalharão semanalmente com líderes da companhia para as áreas comercial e de RH.
"Definir métricas matemáticas para o retorno do investimento em educação é um desafio para qualquer gestor", afirma Daniel Cocenzo, gerente corporativo de Desenvolvimento de Gente da Ambev. Tanto lá como na Natura, o que se mede é o "encarreirarnento"" dos funcionários que recebem bolsas para fazer cursos universitários. Idealmente, quem faz, por exemplo, um MBA deve apresentar uma curva mais acentuada de ascensão na pirâmide de cargos e salários da companhia. "O histórico mostra que as pessoas voltam da escola mais maduras, trazem mais insights e melhoram seu network", diz Cocenzo. "Se ao final de dois anos de MBA o executivo permaneceu na mesma posição, já não foi um bom investimento para nós."
Quando se trata de avaliar o retorno oferecido por um curso universitário, a regra de Menezes vale tanto para jovens da nova classe média quanto para grandes empresas: cruze a nota da escola no ranking do MEC com o valor da mensalidade e compare com a concorrência. Há escolas boas e ruins em todas as faixas de preço. "O país deve incentivar a disseminação das instituições de ensino superior. Quem sabe se um curso vale a pena ou não é quem paga por ele."