Ninguém mais acredita que falar bem é um dom. E condição para mandar o recado certo, administrar crises e, claro, não perder dinheiro. Para ajudar os línguas-presas (ou soltas) existe o media training.
Revista Veja - por Juliana Linhares
Neymar arrogante, Neymar provocador, Neymar indisciplinado? Logo, logo, a diretoria do Santos espera poder dizer que seus problemas com o jovem ídolo do clube acabaram. Ele prometeu se comportar melhor e não dizer mais besteiras? Que nada, a intervenção superior vai bem além. Neymar vai contar com um curso intensivo de media training. Altos executivos, políticos e celebridades, principalmente as deslocadas rápido demais para o mundo da fama, são o público-base das aulas e simulações ministradas por profissionais do ramo que ensinam como se comportar diante dos meios de comunicação e, assim, evitar conhecidas e lastimáveis mancadas. Nem é preciso lembrar como posturas e declarações estapafúrdias prejudicam a imagem e, consequentemente, os negócios. Mas, caso alguém ainda não tenha percebido, o presidente do Santos, Luis Alvaro de Oliveira, explica. Neymar, diz ele, foi instado a pedir perdão, em público e com a imprensa presente: "Alivia o erro. Também serve para recompormos o personagem Neymar e assim melhorar as possibilidades de negociação da imagem dele. Em miúdos, de conseguir patrocínio". Ou, no caso, em graúdos.
Os percalços da fama - ou infâmia - súbita valem tanto para Tony Hayward, o ex-presidente da BP, que diante do desastre do vazamemo de petróleo na plataforma continental americana reclamou dizendo que queria sua vida de volta, quanto para os mineiros soterrados a 700 metros no Chile. Faltando semanas para o resgate que os trará do mundo das sombras para a exposição máxima, los 33, como são chamados, já estão fazendo seu media training. "Eles já nos disseram que não querem falar, por exemplo, sobre suas famílias, mas só sobre esse tempo de baixo da terra", disse a VEJA o psicólogo-chefe da equipe de resgate, Alberto Iturra. "Vamos ajudá-los a explicar isso aos jornalistas." Escolher o foco das declarações (válido só para heróis nacionais como os mineiros, não para uns e outros flagrados no roubolation),
dar respostas pertinentes e polidas e passar uma imagem de autocontrole mesmo diante de situações delicadas são os fundamentos do media training, Apesar do público-alvo de alto calibre, seus ensinamentos podem ser aplicados a situações do dia a dia das pessoas comuns, como na hora de fazer uma entrevista de emprego, apresentar um projeto na empresa ou defender um trabalho na escola.
Uma situação-limite muito citada como exemplo de media training foi a reação da Gol Linhas Aéreas ao acidente de 2006 em que 154 pessoas morreram em colisão com um jatinho sobre a selva. A diretoria da Gol vinha recebendo orientações profissionais, da MVL. para a eventualidade de uma tragédia desde a criação da empresa, em 2001. Um Manual de Crise com 3000 páginas explicitava, entre outras coisas, perguntas inevitáveis e respectivas respostas, o modelo do comunicado à imprensa e até o formato do site da em presa a partir da notícia do acidente. "Empresas de aviação sabem que algum dia uma de suas aeronaves vai cair. Por isso, têm de estar preparadas", explica David Barioni Neto, na época více-presídente técnico da Gol. Na primeira entrevista coletiva, Barioni e Constantino Júnior, presidente da Gol, ambos de terno preto, estavam preparados para as perguntas - e as respostas. Quantas pessoas morreram? Ainda não sabemos, mas estamos todos concentrados na busca pela aeronave. Quais os nomes dos passageiros que estavam no avião? Essa informação será dada primeiro às famílias. Como ficarão as indenizações? Não é hora de falar em dinheiro.
"Hoje em dia, não existe mais controle sobre as informações. Só o que se pode fazer é administrá-Ias em favor de sua reputação", diz Yara Peres, sócia da CDN, outra das grandes empresas do gênero no Brasil. O curso da CDN para executivos é dado em um dia e dura nove horas. Eles aprendem o básico sobre como funciona uma redação, quais as informações de que os repórteres precisam e a melhor maneira de se posicionar diante das câmeras. Em seguida, cada participante simula uma entrevista para a avaliação final. "A ideia central é que o aluno busque um jeito de falar que lhe traga conforto. É assim que ele conseguirá comunicar as coisas mais complicadas sem se atrapalhar", explica Yara. Na MVL, psicólogos, fonoaudiólogos e até professores de teatro estão na equipe de treinamento. Martín Glogowsky, presidente da Fundação Cesp, conta que lá aprendeu, por exemplo, a preparar antecipadamente a mensagem que quer passar em uma entrevista. "Tem de ser apenas uma. Falo dela no começo da conversa, no fim e, no meio, dou pinceladas", resume.
A tática das pinceladas não é lá de grande ajuda na hora de apagar incêndios de maiores proporções. O envolvimento do ator Fábio Assunção com drogas é um exemplo de crise brava bem gerida. "A Globo o manteve na casa, falou pouquíssimo sobre o assumo e, nas vezes em que se pronunciou, deixou claro que iria ajudá-lo", conta um assessor que acompanhou de perto o caso. "Fábio é um valor da marca Globo, como a Xuxa e o Faustão. Malcuidada, aquela crise poderia se voltar contra a emissora." Acostumado a lidar com celebridades, Edson Giusti, dono de uma empresa de comunicação, conta que um dos conselhos que dá a atrizes ávidas por aparecer em capas de revistas é: "Parem de falar que estão apaixonadas e que vão se casar no mês que vem. Depois, o casamento não acontece, os repórteres fazem perguntas e vocês se sentem perseguidas". Foi Giustí quem ajudou uma conhecida primeira-dama estadual a falar em público: "Sugeri que, ao começar a discursar, ela dissesse: "Gente, desculpe, estou nervosa". Isso cria empatia com o público e torna a fala mais confortável". Entre as crises que exigem gerenciamento rápido, os casos de paternidade tardiamente descoberta são clássicos do repertório de trapalhadas. "Aí, não tem conversa. Enquanto aguarda o resultado do teste de DNA, o sujeito tem de agir como se fosse o pai. Tem de falar aquelas coisas bonitas, que a criança merece amor, que eles vão ser amigos no futuro", prega o jornalista e media trainer Nei Loja. Mas, ao contrário de um notório senador, nada de chamar a criança de "a criança", como se não tivesse nada a ver com o assunto. Pega muito, muito mal.
• Não faça o que eles fizeram
Errar na hora de dar explicações sobre assuntos importantes pode ser fatal para a carreira de quem lida com o público. Alguns exemplos de quem se deu mal.
- Caso Geisy Arruda
A aluna da Uniban foi ameaçada e humilhada por colegas por causa do vestido curto.
A instituição a expulsou por "flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade". Depois voltou atrás, mas a primeira impressão de injustiça permanece até hoje.
- Tony Hayard
Diante do vazamento de milhões de litros de petróleo no Golfo do México, o presidente da British Petroleum tentou pôr a culpa em empresas terceirizadas e, ao se desculpar, piorou as coisas quando ironizou: "Quero minha vida de volta". Foi obrigado a pedir demissão.
- Renan Calheiros
Chamar a própria filhinha de "a criança", como fez o senador, passa a ideia de desprezo por um menor inocente. Nos casos de filhos não contabilizados, também é vedado levantar dúvidas sobre o comportamento moral da mãe e exigir teste de DNA. Este pode ser pedido sem escândalos.
- Akio Toyoda
A Toyota demorou muito para fazer o recall de carros com defeito nos Estados Unidos. Em audiência no Congresso, o presidente da empresa custou a responder e se enrolou no inglês.
A Toyota enfrenta mais de 150 processos, e quatro em dez americanos dizem que não comprariam um veículo da marca
- Caroline Kennedy
Filha de John Kennedy e Jacqueline, ela pretendia ser senadora sem simplesmente saber falar em público.
Deu uma entrevista desastrosa e acabou desistindo de forma tumultuada, com idas e voltas. Para piorar, alegou "motivos pessoais", provocando os boatos de sempre.
• Na hora do vamos ver, cabeça fria
Falar em público num momento de tensão põe à prova os melhores comunicadores. Algumas sugestões de especialistas no assunto:
CERTO
- Foque em uma ou duas mensagens que deseja transmitir. Mencione-as no começo e no fim da entrevista.
- Em caso de desastres, a primeira entrevista coletiva tem de ser dada no prazo máximo de doze horas. É nesse período que a opinião pública formará seu juizo sobre o comportamento da empresa.
- Quando não puder dar a informação solicitada, diga isso sem rodeios e procure fomecer outro dado relevante. Seria desnecessário repetir isso, mas, diante de casos notórios do momento, o público odeia ser tratado como idiota.
- Se perceber que, por nervosismo, a respiração está ofegante, ponha discretamente as mãos na cintura e faça três inspirações profundas. Isso restabelece o ritmo respiratório e diminui a tensão.
- Para controlar o nervosismo quando estiver falando, pressione o dedão do pé contra o chão até sentir dor. O desconforto desvia o foco da tensão.
- Ao falar, pronuncie todas as sílabas, fala atropelada demonstra insegurança.
ERRADO
- Usar termos em outra língua, mesmo que pareçam completamente incorporados à linguagem comum. Eles passam a impressão de arrogância.
- Gesticular com as mãos acima da cabeça. Esse movimento é um dos sinais clássicos de descontrole.
- Arquear as sobrancelhas, cerrar os dentes e fechar a cara ao responder à perguntas incômodas. Ameaçar vagamente com processos é um dos mais conhecidos indicadores de desespero.
- Sentar-se de qualquer jeito. Se estiver de terno, puxe o paletó para trás e sente-se em cima do pano. Caso contrário, o tecido se avoluma na barriga e transmite uma imagem de desleixo.
- Deixar os ombros cair para a frente. Isso dá ideia de fraqueza.
- Falar com as mãos nos bolsos, gesto automaticamente interpretado como arrogância, desinteresse e falta de educação.