Contando minutos, meses e anos o relógio biológico ajuda cérebro e corpo a se manterem em ritmo organizado.
Revista Scientific American - por Karen Wright
Em síntese
No cérebro, um "cronômetro" pode controlar segundos, minutos e horas. Outro dispositivo de controle de tempo no cérebro, mais um relógio que um cronômetro, sincroniza muitas funções orgânicas dia e noite. Este
mesmo relógio pode ser responsável porvários distúrbios sazonais. Uma ampulheta rnoIecular que governa o número de vezes que uma célula pode se dividir poderia pôr um limite na Iongevidade.
O falecido biopsicólogo Johnn Gibbon denominava o tempo como o "contexto primordial": um fato da vida sentido por todos os organismos em todas as eras. O tempo é tudo, para todos: para a flor que abre as pétalas ao nascer do sol, os gansos que voam para o sul no outono, os gafanhotos que formam nuvens a cada 17 anos e mesmo para o bolor que produz esporos em ciclos diários. No corpo humano relógios biológicos marcam o registro de segundos, minutos, dias meses e anos, regem os movimentos de fração de segundo de um saque no tênis e são responsáveis pelo trauma da mudança de fuso horário, os picos mensais de humor instável dos hormônios menstruais e os acessos de melancolia em invernos sem sol. Os cronômetros celulares podem decidir quando o seu tempo acabou. A vida para de pulsar, e então você morre.
Os marca-passos envolvidos são tão diversos quanto cronômetros e relógios de sol. Alguns são regidos por ciclos planetários, outros por moleculares. São essenciais às tarefas mais sofisticadas que o cérebro e o corpo desempenham. Os mecanismos de determinação de ritmos explicam o envelhecimento e doenças: o câncer, o Parkinson, a depressão sazonal e o distúrbio de déficit de atenção estão todos ligados a defeitos em relógios biológicos.
A fisiologia desses cronômetros ainda não foi totalmente decifrada, mas neurologistas e outros cientistas que estudam relógios biológicos podem começar a responder algumas das perguntas mais prementes surgidas da experiência humana na quarta dimensão. Por que, por exemplo, uma caneca que está sendo observada nunca ferve? Por que o tempo voa quando nos divertimos? Por que ficar acordado a noite toda pode provocar indigestão? Ou por que as pessoas vivem mais que os hamsters? É apenas questão de tempo até estudos decifrarem os mais profundos dilemas sobre a existência temporal.
• O cronômetro psicoativo
Se este artigo for interessante para você o tempo passará rapidamente enquanto o lê. Mas se o considerar entediante o tempo se arrastará Esse é um capricho do cronômetro cerebral - o "relógio de intervalo" - que avalia os períodos de tempo de segundos a horas. Ele o auxilia a calcular com que rapidez você deve correr para alcançar uma boIa, comanda quando deve bater palmas na sua música preferida e dá ideia de quanto
tempo você ainda pode ficar na cama após o despertador tocar.
A avaliação do tempo de intervalo atinge os poderes cognitivos superiores do córtex cerebral, o centro do cérebro que governa a percepção, memória e pensamento consciente. Ao se aproximar de um sinal amarelo enquanto dirige o carro, por exemplo, você calcula quanto tempo a luz esteve amarela e compara com uma lembrança de quanto tempo as luzes amarelas costumam durar. "Então você decide se vai pisar no freio ou acelerar:" - exemplifica Stephen M. Rao, da Cleveland Clinic Lou Ruvo Center for Brain Health.
Os estudos de Rao com imagens de ressonância magnética funcional (IRMf) apontaram para as partes do cérebro envolvidas em cada um desses estágios. No interior do aparelho participantes de uma pesquisa ouviram dois pares de notas musicais e decidiram se o intervalo entre o segundo era mais curto ou mais longo que o do primeiro par. As estruturas do cérebro envolvidas na tarefa consomem mais oxigênio que as outras, e o equipamento registra mudanças de registros no fluxo sanguíneo e na oxigenação a cada 240 milésimos de segundo. "Ao fazer isso as primeiras estruturas ativadas são os núcleos da base"; segundo Rao.
Esse conjunto de regiões cerebrais, há muito tempo associado ao movimento, é considerado o principal suspeito na busca de mecanismos de marcação de intervalos. O estriado, uma área dos núcleos da base, hospeda uma população de células nervosas visivelmente bem conectadas e que recebem sinais de outras partes do cérebro. Os braços longos dessas células do estriado são cobertos por 10 mil a 30 mil espinhos, cada um coletando informações de um neurônio diferente em outro local. Se o cérebro age como uma rede então os neurônios espinhosos do estriado são nódulos críticos. "Este é um dos poucos locais do cérebro onde milhares de neurônios convergem para um único neurônio"; segundo Warren H. Meck da Duke University.
Os neurônios espinhosos do estriado são essenciais para a teoria de marcação de tempo de intervalo que Meck desenvolveu com Gibbon, que trabalhou na Columbia University até falecer, em 2001. A teoria coloca um conjunto de osciladores neurais no córtex cerebral: células nervosas ativadas em proporções diferentes, sem relação com os ritmos dos vizinhos. Muitas células cortícais são conhecidas por disparar em índices en&sh hy;tre 10 e 40 ciclos por segundo sem estímulo externo. "Todos esses neurônios oscilam em seus próprios esquemas", acrescenta Meck, "como pessoas conversando numa multidão. Nenhum deles está sincronizado."
Os osciladores corticais se ligam ao estriado por milhões de braços que transmitem sinais, assim os neurônios espinhosos do estriado conseguem ouvir todas essas "conversas" ocasionais. Então, algo - por exemplo, um sinal amarelo - atrai a atenção das células corticais. O estímulo põe todos os neurônios do córtex em alerta, disparando simultaneamente e provocando um pico característico na atividade elétrica uns 300 milésimos de segundos mais tarde. Esse pico que atrai a atenção age como um tiro de partida em corridas, após o que as células corticais retomam suas oscilações desordenadas.
Mas como começaram simultaneamente, agora os ciclos produzem um padrão distinto e reproduzível de ativação nervosa de tempos em tempos. Os neurônios espinhosos monitoram esses padrões, que os ajudam a "contar" o tempo passado. Ao fim de um intervalo determinado -e- quando, por exemplo, o sinal tornar-se vermelho - uma parte dos núcleos da base denominada substância negra envia uma explosão do neurotransmissor dopamina para o estriado. Essa explosão induz os neurônios espinhosos a registrar o padrão de oscilações corticais que recebem naquele instante como uma lâmpada de flash expondo a assinatura cortical do intervalo sobre o filme dos neurônios espinhosos. Há uma marca de tempo específica para cada intervalo.
Assim que um neurônio espinhoso identíficá a marca do intervalo relativa a determinado evento, ocorrências posteriores sugerem tanto o "disparo" do revólver cortical quanto a explosão de dopamina no início do intervalo. A explosão de dopamina agora leva os neurônios espinhosos a determinar os padrões dos impulsos corticais que se seguem. Quando os neurônios espinhosos reconhecem a marca temporal indicando o fim do intervalo, eles enviam um pulso elétrico do estriado para outro centro do cérebro denominado tálamo. Então, o tálamo comunica-se com o córtex e as funções cognitivas superiores - como memória ou tomada de decisão - assumem o comando. Por isso, o mecanismo de controle de tempo percorre um circuito do córtex ao estriado, depois até o tálamo e de volta ao córtex novamente.
Se Meck estiver certo, e as explosões de dopamina desempenharem papel relevante na determinação de intervalos de tempo, então as doenças e fármacosque afetam os níveis de dopamina devem também perturbar esse circuito. É o que Meck e outros descobriram até o momento. Pacientes com Parkinson, sem tratamento por exemplo, liberam menos dopamina no estriado e seus relógios se atrasam. Em experiências, esses pacientes continuamente subestimaram a duração de intervalos de tempo. A maconha também baixa a disponibilidade de dopamina e torna o tempo mais lento. Os estimulantes recreativos como a cocaína e a metanfetamina aumentam a dopamina e fazem o relógio de intervalo se acelerar, de modo que o tempo parece passar mais rápido. A adrenalina e outros hormônios de estresse fazem o relógio se acelerar, por isso, em situações desagradáveis, sentimos que o tempo não passa. Estados de concentração profunda, ou emoção extrema, podem sobrecarregar o sistema ou ignorá-lo totalmente; nesses casos, o tempo pode parecer parar ou sequer existir. Como um pico de atenção inicia o processo temporal, Meck acredita que as pessoas hiperativas, com dé ficit de atenção, também podem ter problemas na avaliação da verdadeira duração desses intervalos.
O relógio de intervalo também pode ser treinado para maior precisão. Os músicos e atletas sabem que a prática melhora sua identificação de tempo; pessoas normais podem se basear em truques como contagem cronométrica ("um a mil") para compensar deficiências do mecanismo. Rao não deixa os participantes de seus experimentos contar, pois isso pode ativar centros cerebrais relacionados à linguagem, além dos ligados à contagem do tempo. Mas contar funciona, diz ele - o suficiente para expor os que estão trapaceando. "O efeito é tão óbvio que podemos dizer se estão contando ou calculando o tempo apenas usando como base a exatidão de suas respostas."
• O ponteiro solar somático
Uma das virtudes do cronometros de controle de intervalos é sua flexibilidade. Pode-se ligar ou parar à vontade, ou ignorá-lo completamente. Ele pode funcionar subliminarmente ou ser submetido ao controle consciente. Verificou-se que sua precisão varia de cinco a 60%. Ele não funciona muito bem quando se está distraído ou tenso, e erros na marcação de tempo podem piorar se os intervalos se tornarem mais longos. É por isso que confiamos em celulares ou relógios de pulso para a hora certa.
Felizmente, um cronômetro mais rigoroso marca intervalos de 24 horas. O relógio circadiano - do latim circa (por volta) e diem (dia) - sintoniza nosso organismo com ciclos de luz solar e de escuridão produzidos pela rotação da Terra Ele ajuda a programar a rotina diária de dormir à noite e acordar pela manhã Mas essa influência vai muito mais longe. A temperatura do corpo costuma ter um pico no fim da tarde ou no início da noite e cai poucas horas antes de nos levantarmos de manhã A pressão sanguínea costuma subir entre seis e sete da manhã A secreção de cortisol, hormônio do estresse, é 10 a 20 vezes maior de manhã que à noite. Em geral, durante a noite cessa a urinação e a atividade intestinal para serem retomadas de manhã.
O aparelho circadiano se parece mais com um relógio que com um cronômetro, pois funciona sem necessidade de estímulo do ambiente externo. Estudos em voluntários moradores de cavernas e em outras cobaias humanas demonstraram que os padrões circadianos permanecem mesmo na ausência da luz diurna, de demandas ocupacionais e de cafeína Além disso, eles são expressos em todas as células do organismo. Células humanas presas em uma placa de Petri exposta à luz contínua ainda seguiram ciclos de 24 horas na tilde; A secreção de cortisol, hormônio do estresse, é 10 a 20 vezes maior de manhã que à noite. Em geral, durante a noite cessa a urinação e a atividade intestinal para serem retomadas de manhã.
O aparelho circadiano se parece mais com um relógio que com um cronômetro, pois funciona sem necessidade de estímulo do ambiente externo. Estudos em voluntários moradores de cavernas e em outras cobaias humanas demonstraram que os padrões circadianos permanecem mesmo na ausência da luz diurna, de demandas ocupacionais e de cafeína Além disso, eles são expressos em todas as células do organismo. Células humanas presas em uma placa de Petri exposta à luz contínua ainda seguiram ciclos de 24 horas na atividade genética, secreção hormonal e produção de energia. Os ciclos estão ligados ao organismo e e sua variação é de apenas 1% - apenas alguns minutos por dia.
Mas se a luz não é necessária para estabelecer um ciclo circadiano, é essencial para sincronizar a fase de um relógio físico com os ciclos naturais do dia e da noite. Como um relógio comum, que atrasa ou se adianta alguns minutos por dia, o relógio circadiano precisa ser continuamente ajustado para manter a precisão. Neurologistas fizeram progressos no entendimento de como a luz do dia acerta o relógio. Dois grupos de dez mil células nervosas no hipotálamo do cérebro já são considerados como o centro do relógio. Décadas de estudos com animais demonstraram que esses centros, denominados núcleo supraquiasmático (NSQ), coordenam flutuações diárias na pressão sanguínea, temperatura, níveis de atividade e de alerta O NSQ também diz à glândula pineal no cérebro quando liberar melatonina, secretada apenas à noite, que estimula o sono nos seres humanos.
Na década passada cientistas provaram que células especializadas na retina transmitem informações sobre níveis de luz ao NSQ. Essas células - subconjunto daquelas conhecidas como células ganglionares operam de modo totalmente independente dos bastonetes e cones que permitem a visão, sendo muito menos sensíveis a mudanças bruscas na luz. Essa lentidão condiz com o sistema circadiano. Não seria bom se o mecanismo disparasse ao acaso.
O papel do NSQ nos ritmos circadianos foi reavaliado devido a outras descobertas. Cientistas concluíram que o NSQ, de alguma forma, coordena todos os relógios celulares individuais nos órgãos e tecidos do organismo. Mas em meados da década de 1990 pesquisadores descobriram quatro genes cruciais que regem os ciclos circadianos em moscas, camundongos e seres humanos. Esses genes não estão apenas no NSQ, mas em toda parte. "Esses genes de relógios são expressos por todo o organismo, em todos os tecidos. Não esperávamos ada disso", revela Joseph Takahashi, agora no Southwestern Medical Center da University of Texas.
Mais recentemente, cientistas da Harvard University descobriram que a expressão de mais de mil genes em tecidos do coração e do fígado de camundongos variou em períodos regulares de 24 horas. Mas os genes que mostravam esses ciclos circadianos diferiam nos dois tecidos e a expressão deles atingia o apogeu no coração em horários diferentes dos apresentados pelo fígado. "Eles estão em todos os lugares", segundo Michael Menaker da University of Virginia. "Alguns tiveram pico à noite, outros de manhã e alguns durante o dia:" Menaker demonstrou que horários específicos de refeições podem mudar a fase do relógio circadiano do fígado, sobrepondo-se ao ritmo claro-escuro seguido pelo NSQ. Quando, por exemplo, ratos de laboratório que costumam comer à vontade foram alimentados apenas uma vez por dia, o pico do gene temporal do fígado mudou para 12 horas, enquanto o mesmo gene no NSQ permaneceu em sincronia com os horários de luz. Faz sentido que os ritmos diários na alimentação afetem o fígado, devido a seu papel na digestão. Cientistas acreditam que os relógios circadianos em outros órgãos e tecidos possam corresponder a outras indicações externas, inclusive estresse, exercícios e alterações de temperatura, que ocorrem regularmente a cada 24 horas.
Ninguém está pronto para destronar o NSQ; seu controle sobre a temperatura do corpo, pressão e outros ritmos fundamentais ainda está garantido. Mas esse centro no cérebro não é mais considerado como regente definitivo de relógios periféricos. "Temos osciladores em nossos órgãos que podem operar de modo independente dos osciladores cerebrais"; avalia Takahashi. A autonomia dos relógios periféricos torna o fenômeno jet lag, mal-estar físico por mudança de fuso horário, muito mais compreensível. Enquanto o relógio de intervalo que como um cronômetro pode ser ajustado em um instante, os ritmos circadianos levam dias e às vezes semanas para se ajustar a uma alteração súbita na duração do dia ou no fuso horário. Um novo horário no esquema de luz ajusta vagarosamente o relógio do NSQ. Mas os outros relógios podem não seguir esse comando. O organismo não só está defasado, mas defasa do em vários ritmos diferentes.
Provavelmente, o jet lag não persiste, porque todos esses tambores diferentes são capazes de finalmente se sincronizar outra vez. Pessoas que trabalham em turnos, festeiros, universitários e outros notívagos deparam com um dilema cronológico ainda pior. Podem estar levando um tipo de vida fisiológica dupla. Mesmo se dormirem bastante durante o dia, os ritmos essenciais ainda são regidos pelo NSQ - portanto, as funções centrais continuam a "dormir" à noite. "Você pode querer que seu ciclo de sono seja mais cedo ou mais tarde, mas não consegue controlar os níveis de melatonina, de cortisol ou a sua temperatura corporal para mais cedo ou mais tarde", enfatiza Alfred J. Lewy, da Oregon Health & Science University.
Enquanto isso, seus horários de refeições e de exercícios podem estar ajustando os relógios periféricos para fases totalmente diferentes tanto do ciclo de sono-vigília quanto do ciclo luz-escuridão. Com os organismos vivendo em tantos fusos horários ao mesmo tempo não chega a impressionar o fato de pessoas que tr