Queremos resolver tudo através do conhecimento, mas devemos buscá-lo para sermos mais felizes.
Revista Vida Simples - por Marcia Tiburi
Dizer que o conhecimento faz sofrer tornou-se habitual. O sofrimennto foi ligado à filosofia e à literatura a ponto de não podermos imaginar um filósofo ou alguém com cara de sábio em meio a livros pulando Carnaval ou curtindo uma piscina. Isso é um mito. Os filósofos e os escritores ainda hoje são vistos como pessoas que sofrem por conhecerem a alma humana em sua profundidade inacessível aos demais. Não quer dizer que conheçam a alma, nem que haja nela uma profundidade inacessível. Isso é apenas possível. É, sobretudo, uma crença compartilhada e, como tal, organiza nossa visão de muitas coisas. Nunca saberemos se os filósofos antigos eram sofredores, nem se conheciam a alma humana. Sabemos apenas que deixaram seu testemunho, no qual confiamos e com o qual devemos discutir hoje para entender o nosso tempo.
Os mais interessantes, porém, são alguns dos padres filósofos da Idade Média que falavam de um certo "demônio do meio-dia" que assolava os monges como um fantasma obsedante. Antes de os filósofos perderem a crença em entidades sobrenaturais - devido ao longo processo de secularização que levou o Ocidente a crer em ciência e tecnologia -, o demônio era considerado a causa da dispersão na leitura, da insatisfação no convívio dentro do mosteiro, do rancor, da vontade de morrer, das fantasias de catástrofe, da preguiça e também da culpa por viver no mesmo lugar sem capacidade de agir e ajudar aos outros. Ao mesmo tempo, era responsável por uma crítica geral a tudo e a todos que o cercavam em sua experiência monacal. Era o misto de maldade com desespero, de amor com ódio, de auto-crítica com crítica dos outros que caracterizava o quadro melancólico que tanto fazia com que o monge se sentisse um inútil, quanto fazia com que ele se torna-se um escritor, um artista envolvido em ilustrar os livros, um filósofo em busca das verdades próximas ou distantes.
Não somos diferentes dos monges medievais, só perdemos a capacidade de olhar para o que chamamos de sofrimento como se ele fosse apenas um modo de ser e o preço pago quando da descoberta da vida. Mas se o valorizássemos melhor (e não mais) talvez pudéssemos aprender que a condição humana sempre foi a mesma, que não somos diferentes e, portanto, a nossa dor não é diferente. Em vez de afundar no lodo da dor emocional, podemos descobrir o potencial de transformação do conhecimento. Que o sofrimento não é o resultado do conhecimento, mas seu ponto de partida; saber pode ser mais a cura e a libertação da dor do que a dor.
A melancolia antiga é ancestral direta da nossa depressão. O excesso de depressão nos dias de hoje não deixa de ter relação com a sociedade do conhecimento e da informação em que vivemos. Queremos resolver tudo pelo conhecimento, mas esquecemos de pensar que o conhecimento é uma saída que deve servir a algo mais do que o mero progresso da ciência. O conhecimento como potencial de saída da infelicidade, mesmo que tenha nascido dela. Se alguém busca conhecer a si é porque deve pretender com isso ser feliz. Ser feliz é mais ético e mais bonito do que apenas buscar a si mesmo como uma verdade absoluta. Sobre essa verdade de si ninguém tem garantia. A verdade não deve ser uma ilusão da resposta, mas uma busca constante.