Mesmo o mais belo dos museus nos deixa exaustos depois de uma ou duas horas apreciando arte.
Jornal Folha de SãoP aulo - por Suzana Herculano-Houzel*
EUEu estou habituada a falar durante 90 minutos sem grandes desgastes, às vezes por até três ou quatro horas, sobretudo se lembrar de levar uma garrafinha de água para bebericar o tempo todo. Por que, então, ontem saí tão exausta de uma hora de palestra seguida de duas horas e entrevista por uma banca de cinco pessoas?
A neurociência explica: esgotamento neuronal, por causa do esforço para manter por duas horas a atenção aguçada pata interpretar as sutilezas das perguntas da banca, escolher cuidadosamente as palavras das minhas respostas, monitorar reações e pensar no que mais eu gostaria de dizer. Ufa!
A fadiga neuronal é resultado da própria atividade dos neurônios, que leva à produção de adenosina. Aquela mesma adenosina.que, ao se acumular, leva à sonolência. Antes de chegar naquele ponto contudo, ela começa por se acumular ao redor dos neurônios mais ativos.
A adenosina acumulada é ao mesmo tempo um indício do começo do esgotamento energético dos neurônios e um sinal que os impede de sustentar o mesmo nivel de atividade de antes. Ela age diretamente sobre os neurônios como um inibidor, o que evita que eles fiquem ,ativos demais e entrem em colapso enetgético - como um sistema autolimitante de proteção.
Por essa mesma razão, a fadiga é especifica ao sistema cerebral usado de maneira sustentada. Passe meia hora lendo, e seus neurônios envolvidos na leitura começarão a demonstrar cansaço mas outros, responsáveis por tocar piano, continuarão perfeitamente capazes.
Acho que isso também explica porque mesmo o mais belo dos museus nos deixa exaustos depois de uma ou duas horas apreciando arte. E quanto maior o nível de atenção sustentada, mais rapidamente a fadiga chega aos neurônios exercitados. Por isso não é recomendável praticar ao piano, fazer contas, escrever ou preparar relatórios por muito tempo de uma vez só: seus neurônios inevitavelmente se cansam. E, com isso, o desempenho cai, às vezes até o ponto de você achar que está desaprendendo.
Mas isso, como quase tudo, tem jeito (ou não estaríamos aqui hoje): o cérebro exausto repõe suas energias e remove a adenosina acumulada durante o sono. E não precisa ser o sono noturno: uma sonequinha de meia hora já ajuda os neurônios a se recuperar da fadiga e voltar ao zero, prontos para outra.
* Neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed, Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com