Quem consegue dormir em ambiente barulhento tem um padrão de atividade no cérebro que bloqueia ruídos.
Jornal Folha de São Paulo - por Ricardo Bonalume Neto
Picos de oscilações frequentes, chamados fusos do sono, podern criar isolamento contra estímulos externos.
Tem gente que consegue dormir no meio de um tiroteio ou show de rock, tem quem acorde com uma colher de café caindo no chão.
Uma equipe da Escola de Medicina da Universidade Harvard testou 12 voluntários saudáveis e verificou que era possível prever a capacidade de um indivíduo de manter o sono, mesmo sujeito a barulho crescente, de acordo com o ritmo da sua atividade cerebral, medida por eletroencefalografia.
"Sono de qualidade é uma parte essencial da saúde. Mas o sono fraturado está perturbadoramente prevalente na sociedade, parcialmente devido a insultos de uma variedade de barulhos", escreveram os cinco autores na edição de hoje da revista "Current Biology", liderados pelo médico Jeffrey M. Ellenbogen, chefe da Divisão de Medicina do Sono do Hospital Geral de Massachusetts.
O ritmo que interessava é conhecido como "fuso do sono", vinculado a uma estrutura do cérebro chamada tálamo. Ele é responsável por enviar informações dos sentidos, incluindo sons, para outras áreas do cérebro.
"Dado que o cérebro bloqueia sons, e o tálamo está em posição para ser a estrutura potencial para fazer isso, e que ele gera os fusos do sono, nossa hipótese era de que se uma pessoa gera mais fusos do sono, ela teria maior probabilidade de continuar dormindo mesmo em meio ao barulho", disse Ellenbogen à Folha.
E foi o que aconteceu. Os voluntários que geraram mais fusos durante uma noite prévia quieta de sono toleraram melhor as duas noites seguintes, em que foram expostos a barulhos variados.
"Todos os participantes tinham sono pesado. Mas, mesmo entre essas pessoas, havia variação na maneira como seus cérebros lidavam com ruídos. Alguns dormiram durante todo o experimento, enquanto que outros acordavam muito, mesmo que por pouco tempo."
• Sono do idoso
"Eles notaram uma alteração biológica em quem tem o sono mais estável", comenta a pesquisa o pediatra brasileiro Gustavo Antonio Moreira, especialista em medicina
do sono da Unifesp, e que fez doutorado nessa mesma área de estímulo sonoro.
"Com a idade, o sono fica mais leve, diminui a quantidade dos fusos, por isso os idosos acordam mais vezes de madrugada", diz Moreira. "O tálamo é como um relê elétrico que controla a conexão com o córtex cerebral, permitindo o repouso do cérebro durante o sono", diz.
Mas, ele nota, não se sabe ainda que tipo de atividade ou medicamento poderia aumentar o número de fusos do sono e com isso melhorar sua qualidade. "Talvez o exercício físico, mas isso ainda precisa ser pesquisado."
• Em São Paulo, universidades dão tratamento
Transtornos do sono estão diretamente ligados a problemas como ronco, insônia, bruxismo, síndrome das pernas inquietas e apneia do sono.
Em São Paulo, USP e Unifesp têm centros de medicina do sono.
O Laboratório do Sono do Hospital das Clínicas está vinculado ao Instituto de Psiquiatria. A USP tem o Centro Interdepartamental para os Distúrbios do Sono (CIES), com atiividades de assistência ao público, ensino e pesquisa.
O sono na Escola Paulista de Medicina/Unifesp está vinculado ao Departamento de Psicobiologia. Seu Laboratório de Sono realiza os principais exames, incluindo as chama das "políssonografias".
O Instituto do Sono (www.sono.org.br) realiza polissonografia a usuários do SUS, além de realizar pesquisas.
No site da Associação Brasileira do Sono (www.sbsono.com.br), é, possível encontrar listas de médicos especializados em Medicina do Sono.
• Como foi feita a pesquisa
1 - Monitoramento: Voluntártos adultos foram monitorados durante o sono por três noites consecutivas, no laboratório da Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA)
2- Primeira noite: Ambiente silencioso
3 - Duas noites seguintes: Os voluntários dormiram em meio a 14 barulhos urbanos típicos, como sirenes, conversas e trânsito.
4 - O que foi medido: O eletroencefalogama registrou os chamados "fusos do sono", ritmos cerebrais que, segundo a hipótese, modulam a influência de estímulos externos no cérebro.
RESULTADO
Os pesquisadores notaram que os indivíduos que produziram mais fusos na noite quieta tiveram maior tolerância ao barulho nas noites seguintes, o que poderá auxiliar nas terapias de distúrbios do sono.