Brasil tem quase 24 mil centenários e, no mundo, são 70 com mais de 110 anos; desafio é manter a independência. Grupo de idosos em São Paulo está sendo acompanhado para manter a qualidade de vida aos cem.
Jornal Folha de São Paulo - por Cláudia Collucci
Ela andou de bicicleta até os cem anos, caminhou sozinha até os 115 e fumou até os 117. Costumava comer 1 kg de chocolate por semana e bebeu um copo de vinho por dia até sua morte, aos 122 anos.
A longevidade de pessoas como a francesa Jeanne Calment (1875-1997), a que mais tempo viveu, tem sido estudada por grupos internacionais e foi discutida durante o Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, que terminou anteontem no Rio. Genes? Dieta? Exercícios? Atitudes positivas? Vida social? A ciência já sabe que a genética responde por até 30% da longevidade. O resto está associado a estilo de vida e fatores socioambientais, muitos dos quais passíveis de mudanças e adaptações.
Os pesquisadores entendem que a longevidade extrema, acima de 110 anos, é para poucos. Há 70 supercentenários no mundo (65 mulheres e cinco homens). Outros 400 alegam essa condição, mas não têm documentos que a comprovem. Só no Brasil, já são quase 24 mil centenários, segundo o IBGE. Bahia (3.525), São Paulo (3.146) e Minas Gerais ((2.597) são os Estados com a maior concentração.
• Preparo
Na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), um projeto reúne 245 idosos acima de 80 anos, sem queixas específicas, e os prepara para a chegada ao centenário. Ali, fazem exames, adequam medicações e recebem orientações sobre sono, memória, dieta e atividade física. "Muitos dos nossos pacientes serão centenários a partir deste ano. Estamos avaliando o quanto é possível manter a sobrevida sem incapacidade física, mental, emocional e social", afirma a médica Maysa Seabra Cendoroglo, professora de geriatria e gerontologia da Unifesp.
E é possível viver muito e chegar ao fim com independência? "A busca por essa resposta vem sendo motivo de muitos estudos. As propostas apontam para a necessidade de se manter uma boa dieta, uma atividade física permanente e prolongada e um estímulo cognitivo", explica a médica. Mas isso adianta mesmo para quem não tenha "bons" genes? "Sim. Pode ser que você não chegue aos cem anos, mas vai chegar aos 80, aos 90, ativo, independente. O que importa é fazer o máximo que eu posso até o finzinho."
Também é possível ser feliz aos cem anos, mesmo com doenças e após a perda de filhos, diz a psicóloga alemã Dagmara Wosniak, que fez um estudo com 56 centenários de Heidelberg. Quase metade deles vivia em instituições e 82% dependiam do auxílio de enfermeiras.
A extroversão, a cognição e uma rede social preservada (família e/ou amigos) foram os fatores mais associados à felicidade nessa fase da vida, segundo ela. "O otimismo aumenta a vontade de viver."
• Políticas
O aumento da longevidade também tem levado os especialistas da área a propor abordagens diferentes para cada grupo etário de idosos. "Um idoso de 65 anos não é o mesmo de um com 80, que não é o mesmo de um de cem. Hoje colocamos tudo no mesmo saco", diz o médico Alexandre Kalache, que já dirigiu o programa de envelhecimento da OMS (Organização Mundial da Saúde). Para ele, o Brasil vai mal na execução de políticas que possibilitem um envelhecimento saudável, seja na prevenção de doenças que incapacitam o idoso seja em instrumentos que o protejam e que garantam seus direitos.
Resultados preliminares do estudo Sabe (Saúde, Bem Estar e Envelhecimento), desenvolvido pela USP, já refletem um cenário nada cor-de-rosa. O trabalho monitora como os idosos de São Paulo estão envelhecendo. Três grupos acima de 60 anos vêm sendo acompanhados. Um grupo começou a ser seguido em 2000, outro em 2006 e o último, há dois anos.
Segundo a médica Maria Lúcia Lebrão, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, os "novos" idosos parecem estar mais doentes, com menos mobilidade, por exemplo. "A previsão é que as novas gerações de idosos sejam menos saudáveis. Temos ao nosso favor as novas tecnologias, Mas será que elas trazem mais qualidade de vida?"
• "Centenários são pessoas moderadas", diz pesquisador
Há quase 20 anos estudando os centenários, Thomas Perls, professor da Universidade de Boston, pesquisa agora um grupo ainda mais seleto: os supercentenários, que passaram dos 110 anos. Segundo Perls, a resposta para a longevidade extrema está nos genes. Mas ele aposta que mesmo os que não tenham uma boa herança genética poderão viver mais se cultivarem hábitos saudáveis.
Um dos autores do best-seller "Living at 100" , Perls costuma dizer que estará muito satisfeito se viver bem até os 95. O médico falou à Folha na última terça, no Rio, onde participou de um congresso de geriatria.
Folha - Ainda ê muito dificil se tomar um centenário?
Thomas Perls - Tem se tornado cada vez mais fácil. Quando comecei a estudar os centenários, em 1994, havia 1 em 10 mil na população dos EUA. Hoje, há 1 em 5. .000. Conseguimos melhorar as condições de saúde e curar muitos que antes morriam de doenças infecciosas, por exemplo. As pessoas estão controlando mais doenças como diabetes e hipertensão e estão parando de fumar. Isso tudo tem impacto na longevidade.
Folha - É possível chegar bem aos cem, mesmo com doenças?
Thomas Perls - Por muito tempo, as pessoas pensavam que, para chegar aos cem, você tinha que evitar doenças relacionadas à idade. Mas não é verdade. O mais importante é evitar as disfunções. Mais de 90% dos centenários que estudamos eram funcionalmente independentes [andavam, comiam e tomavam banho sozinhos] aos 90, mesmo tendo doenças relacionadas ao envelhecimento [como câncer, osteoporose, diabetes]. Mesmo pessoas que não tenham "bons" genes para a longevidade podem viver mais se tiverem bons hábitos.
Folha - Qual o perfil dos centenários?
Thomas Perls - A maioria, 85%, é mulher. São pessoas que nunca fizeram coisas ao extremo, são moderadas. Não beberam muito, não fumaram, não são obesos. São muito sociáveis, gostam de estar vivos.
Folha - O sr. tem estudado agora os supercentenários. Qual é o segredo deles?
Thomas Perls - A longevidade dessas pessoas tem um forte componente genético. Elas representam a melhor chance para estudarmos os genes protetores e os seus mecanismos bioquímicos e, quem sabe, desenvolver medicamentos que ajudem pessoas que não têm
os mesmos genes.
Folha - Mas é só genética?
Thomas Perls - Para essas pessoas com longevidade extrema, sim. Os genes respondem por 60% a 70% da longevidade.
Folha - Qual foi a pessoa mais longeva que o sr. estudou?
Thomas Perls - Uma senhora de 119 anos, a segunda pessoa que mais viveu no mundo. Morreu em 1997. Cinco anos antes, era muito independente. Em geral, os supercentenários seguem bem até os 109 anos. Aí começam a decair.