A identidade nasce do que se lembra - e do que esquece.
Revista Época Negócios - por Álvaro Oppermann
Desde a década de 90, fala-se da importância de construir a cultura da empresa. Para Michel Anteby, da Harvard Business School, e Virág Molnár, da The New School for Social Research, de Nova York, uma das principais armas para formar a cultura é o esquecimento. A identidade não é forjada apenas pela lembrança dos fatos marcantes. Ela é igualmente feita de esquecer os fatos indesejáveis. "Saber "quem somos" depende muito de esquecer "quem não somos"", diz a dupla.
Fatos corriqueiros muitas vezes arranham a autoimagem das empresas. Nessas horas entram em cena os expedientes da omissão, supressão e obliteração de dados. "É uma forma de neutralizar os elementos contraditórios", dizem os autores no artigo Collective Memory Meets Organizational Identity ("O encontro da memória coletiva com a identidade organizacional"), no Academy of Management Journal. Como prova, a dupla examinou 50 anos de trajetória da Snecma, companhia francesa do setor aeronáutico, em arquivos na companhia e na Biblioteca Nacional, em Paris.
Criada pelo general De Gaulle, em 1945, a estatal apagou dos seus registros qualquer menção ao passado colaboracionista da Gnome et Rhône, uma das empresas incorporadas na sua criação (durante a Segunda Guerra, a empresa deu apoio logistico à força aérea alemã). Também desapareceu dos boletins a contratação do especialista de turbojato alemão Hermann Oestrich, da BMW, no pós-guerra. "Era uma presença incômoda, que maculava o orgulho francês da companhia", dizem. A filtragem dos dados inconvenientes ocorreu em etapas. Primeiro sumiram do discurso do alto escalão. Em seguida, alterou se o jargão da alta gerência, e, como numa cascata, a comunicação interna da empresa.
Em 1970, a Snecma firmou acordo com a GE. Conforme o tempo passava, os boletins transformaram a "parceria" em mera "colaboração", depois a uma versão dos anos 80 ("Nós deixamos a GE se associar conosco") e, finalmente, em 1990, a americana foi completamente apagada da memória. A Snecma foi privatizada em 2005. Talvez a própria origem estatal "desapareça" daqui a alguns anos.