Sempre há mais informação disponível do que conseguimos processar, e isso não é culpa da internet.
Jornal Folha de São Paulo - por Suzana Herculano-Houzel*
É tão fácil botar a culpa na internet, no mundo moderno, nas novas tecnologias, ou em tudo isso junto. Falta de atenção é consequência de janelas demais piscando no monitor; abundância de informação é um convite à superficialidade; violência é resultado de videogames; falta de tempo é culpa de e-mails demais por responder. O estresse da vida moderna, portanto, é culpa ... do mundo moderno.
Eu discordo. O problema não está no que o mundo moderno faz com nosso cérebro, e sim nas limitações que nosso cérebro sempre teve - e em como nós nos deixamos sucumbir a tentações e imposições que nos são apresentadas por meio das novas tecnologias.
Para começar, não entendo a queixa de que "a internet" reduziria nosso tempo de atenção sustentada e tomaria nosso conhecimento superficial. Pelo contrário: jovens, hoje, são capazes de passar horas ininietruptas em frente a videogames ou em sites de busca que permitem a qualquer um se tomar um profundo conhecedor de política internacional ou de biologia das fossas abissais sem sair de casa.
É uma questão do uso que se escolhe fazer de um mundo inteiro agora acessível. Falando de atenção, aliás: nós sempre fomos limitados a prestar atenção em apenas uma coisa de cada vez. É uma restrição, de fato, mas que tem enormes vantagens, já que a maior parte da informação disponível a cada instante é irrelevante, mesmo. Por causa dessa limitação, sempre há mais informação disponível do que conseguimos processar - e isso não é culpa da internet. Sabendo dela, quem tem problemas para se manter focado pode se ajudar reduzindo o número de tarefas que disputam sua atenção a cada instante.
O mesmo vale para o e-mail e o estresse associado às demandas que nos fazem. Poder responder imediatamente a e-mails não significa ter que fazê-lo - embora seja fácil sucumbir à pressão externa e à cobrança, no dia seguinte, por uma resposta que, poucos anos atrás, só chegaria pelo correio no prazo de uma semana.
Como hoje a maioria de nós não precisa se estressar sobre a disponibilidade de alimento ou teto, sobra espaço para nos cobrarmos respostas imediatas a todas as demandas eletrônicas que nos fazem. O problema continua sendo o mesmo: gerenciar estresses. A dificuldade é se convencer de que o mundo não acaba se você não responder a todos os e-mails ainda hoje - e, de preferência, não cobrar isso dos outros.
*É neurocientista, professora da UFRJ e autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com