As escolas ditas modernas passam de lousas digitais a laptop como se transferir conteúdo fosse inovação.
Jornal folha de São Paulo - por Ricardo Semler
Meu professor de física contava que sua mãe tapava as tomadas para que a eletriddade não escapasse. Na época, fervia o debate sobre o uso de calculadoras portáteis nas provas. Como no caso das réguas de cálculo nos anos 60 - escolas não queriam que os alunos usassem esse instrumenio, criado em 1638!
O tablet é sucessor disso tudo. Discutir se deve ser usado em sala de aula é anacronismo. Como a caluladora, que era considerada um atalho, o tablet é visto como um truque sujo contra a cartilha. Para professores e produtores de material didático, o tablet é uma oponunidade e uma ameaça. Reluz como possibilidade de falsa modernização, levando os conteudistas a formatar o mesmo currículo cansado, agora em vestimentas digitais.
As escolas ditas modernas passam conteúdo de lousas digitais para o laptop da meninada como se ísso fosse inovação - e não apenas um uso patético do potencial digital. Mas é também ameaça, porque o controle de conteúdo por meio de livros e métodos é uma moleza, comparado com ter um bicho digital que fala com o mundo todo. Quem mexe com computador conhece o termo GIGO - "Garbage In Garbage Out" (lixo entra, lixo sai). O entusiasmo inicial leva a alimentar o tablet com lixo analôgico, para então gerar lixo digital.
A grande oportunidade do tablet é a de aposentar de vez a obsolescência que recheia os livros, cartilhas e material digital que as escolas impõem aos alunos, numa toada de tortura didática. Fala-se exaustivamente da necessidade de reciclar e bonificar professores. E de tecnologia. Mas também não há evidência de que computadores fazem diferença. A OCDE já demonstrou que não. Óbvio: é GIGO.
Há que se aceitar a verdade aterrorizante: o tablet inaugura a substituição de parte dos professores e do currículo pelo mundo que foge do controle da escola. Agora virá o mestre a distância, quiçá holográfico, e respondendo a perguntas. Será o melhor professor daquele assunto, em qualquer língua ou lugar - e não o melhor daquela rede ou escola. O caminho de ouvir empresários e
dar bônus aos professores em função de nota, por exemplo, demonstra como se está pensando a escola de trás para a frente. Ora, dar gratificação ao professor para que gere boas notas em provas tacanhas, em apenas duas matérias, é o mesmo que dar comissão a corretor imobiliário para que venda aquele terreno micado, e não o mais difícil de mostrar.
Que venha o tablet, sucessor legítimo do progresso de 1638, e que se enterre o dirigismo didático. Abaixo o estreito corredor dos livros e cartilhas. Liberdade para as tomadas! Que deixem a eletricidade fluir, sem controle de voltagem.
* é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Líderes Globais do Amanhã. Escreveu dois livros ("Virando a Própria Mesa" e "Você Está Louco") que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas.