A procrastinação está na escola, no trabalho, na louça suja acumulando na pia; entenda e enfrente esse impulso de deixar tudo para a última hora, que só dá prejuizo profissional, social e emocional.
Jornal Folha de SãoPaulo - por Iara Biderman
A coisa é tão ruim que até o nome é feio: procrastinação. O "palavrão" designa a ofensa que a pessoa faz a si mesma, mesmo sabendo que isso só a deixará mais vulnerável, sujeita a cometer mais erros, angustiada e exaurida. O impulso da procrastinação leva você a fazer qualquer coisa, mesmo sem graça, em vez daquilo que é mesmo necessário. Ou você nunca se pegou deletando o lixo do e mail na hora em que deveria estar enviando um relatório?
• Enrolation
Em levantamento inédito, 33% dos profissionais brasileiros afirmaram gastar duas horas da jornada sem fazer nada de efetivo e 52% admitiram deixar atividades necessárias para a última hora. Os índices da pesquisa feita por Christian Barbosa, especialista em gestão de tempo, são mais altos que os de pesquisas semelhantes nos EUA, no Reino Unido e na Austrália, onde enroladores crônicos são 20% da população economicamente ativa. "Aqui, as pessoas se sentem poderosas deixando tudo para a última hora e não ficam culpadas por isso", diz a psicóloga Rachel Kerbauy, da Sociedade Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, que pesquisou como brasileiros protelam exames e cuidados de saúde.
A culpa com a procrastinação pesa mais em sociedades influenciadas pelo luteranísmo ou calvinismo, diz o professor de filosofia Mario Sergio Cortella, da PUC-SP. "A religião colocou o trabalho como elemento de salvação. Adíá-lo vira um vício." Independentemente de aspectos culturais e morais, a procrastinação, além de não ajudar, atrapalha. E empurrar com a barriga não tira o problema da frente, só faz ele crescer nos pensamentos. , "A única coisa que se pode ganhar é culpa. A pessoa nem consegue fazer algo prazeroso em troca, porque não é uma escolha livre do uso do tempo", diz Cortella.
Na pesquisa, que incluiu 1.606 pessoas, as principais explicações para a enrolação foram falta de tempo, medo do fracasso e complexidade da tarefa a ser feita. Mas, para a psicanalista Raquel Ajzenberg, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, as causas do comportamento podem estar ligadas a dificuldades maiores.
• Autoboicote
Um dos motivos é o que Freud chamou de "fracasso como êxito". É quando a pessoa, por motivos inconscientes, recua sempre que está perto de uma situação de sucesso. Os adiamentos crônicos são um autoboicote. Acontece também com os perfeccionistas. Para eles, "o medo de não conseguir fazer algo impecável paralisa a ação, e o planejamento excessivo para cumprir metas muito idealizadas os leva a adiar o trabalho constantemente. "A pessoa tem uma coisa importante para fazer, mas fica cavando mais buracos, descobrindo problemas para resolver antes e não faz o que deve ser feito", diz Barbosa. Ele diz que a maioria é treinada na infância a deixar tudo para a última hora, por que os pais agiam assim. Culpa também do sistema educacional, vê Cortella. "O estudante daqui é viciado em provas feitas só com a memória. Se é para decorar, o mais fácil é só estudar na véspera."
Enquanto psicanalistas analisam as motivações inconscientes da procrastinaçâo e filósofos se debruçam sobre seus aspectos éticos e morais, os economistas estudam o problema pensando na relação custo-beneficio. Até um prêmio Nobel de economia, o americano George Akerlof, tratou do assunto. Ele concluiu que as pessoas adiam porque os custos imediatos·de fazer determinada tarefa parecem mais reais do que o preço de fazê-Ia no futuro. "Você tem certeza de qual é o custo imediato, o desprazer do esforço, e tem certa miopia em relação aos benefícios futuros. Acredita que protelar é uma escolha racional, mas é um autoengano", diz o economista Paulo Furquim, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo .
• Sob Pressão
Essa ilusão de óptica ajuda a entender por que algumas pessoas embaçam até nas tarefas necessárias para fazer algo de que gostam. Algumas pessoas também tentam fazer do adiamento uma tática de ação, porque só conseguem se motivar no sufoco da última hora. Para Barbosa, isso é um padrão mental adquirido por força do hábito. "A pessoa treinou para produzir sob pressão. Se treinou, dá para destreinar e aprender um novo modelo de lidar com o tempo", afirma.
• "Parece que sou o tipo que só consegue agir na urgência"
"Deixo tudo para amanhã. Quero parar de ser assim, mas parece que não tenho como sair disso. Eu tento. Se tenho um trabalho para entregar, me programo para fazer antes, mas sempre aparece alguma outra coisa para fazer. E, se não aparece, invento qualquer coisa, não precisa nem ser interessante. Qualquer programa bobo de TV serve de desculpa, é muito irracional.
Um dia antes de entregar o trabalho, bate o desespero. Passo a madrugada fazendo, fico ansioso, sofro muito mais. Fi iz estágio de direito no Ministério Público, tinha prazos para entregar os processos, mas, se não tivesse alguém o tempo inteiro em cima de mim, deixava para a última hora. No fim, dava tudo certo, entregava no prazo. Acho que é por isso que eu continuo agindo assim.
E tem a força da manada, porque muita gente é igual. Se tem um trabalho para entregar e vejo que meus amigos ainda nem começaram a fazer, eu acho que está tranquilo. Eu não adio as coisas só no trabalho e na faculdade. Sou assim para tudo: sempre que vou viajar deixo para comprar a passagem na última hora - e pago mais caro. Fico enrolando para sair de casa e ir a um programa, quando chego aproveito menos. Meu problema não é falta de motivação. Parece que sou o tipo que só consegue agir na urgência. Sempre penso em mudar, dar outro andamento para a minha vida. Quando vou começar a fazer isso? Amanhã!"
André Hyppolito, 20, estudante
• "Entrei naquele ciclo em que o importante vira urgente".
"Durante muito tempo, fui a típica workaholic. Queria fazer mais do que podia e acabava deixandomuita coisa para depois principalmente na vida pessoal. Mas, mesmo no trabalho, eu adiava as coisas mais chatas, que eu não queria resolver. Entrei naquele ciclo urgente e você não tem mais controle do seu dia. E tinha muita coisa importante que eu estava adiando: queria emagrecer, mas nunca começava o regime, queria ter mais tempo para meu filho, mas deixava para fazer o planejamento mais tarde. Resultado: em 22 anos de carreira, nunca tinha tirado 20 dias de férias com ele, de verdade. No começo deste ano, resolvi mudar de atitude. Sabia que precisava me organizar, fiz um curso para conseguir planejar e organizar melhor meu tempo. Mas não foi só isso. Para deixar de procrastinar, você precisa entender por que faz isso, saber as causas. Para mim, elas tinham a ver com minhas inseguranças, meu medo de falhar. A psicoterapia que me ajudou a mudar de atitude, a deixar de empurrar problemas com a barriga. As técnicas de gestão de tempo tornaram as mudanças mais fáceis. Em vez do "deixa para amanhã", adotei o "faça agora". Claro que vira e mexe, aparece a vontade de deixar as coisas para depois, são velhos hábitos. Mas mudar um hábito é assim mesmo, não acontece de uma hora para outra."
Raquel Henriques, 38, gerente de recursos humanos
• Chega de embaçar
Estratégias para fazer já o que você costuma deixar sempre para depois.
PLANEJAMENTO - Escreva quando, onde e como você fará o que precisa. Condicione uma ação à outra. Por exemplo, "Ao ligar o computador, vou trabalhar 20 minutos no relatório" .
DÚVIDA - Questione suas desculpas para protelar. É melhor trabalhar após uma noite de sono ou você dormirá mal pensando no prazo e estará cansado no outro dia?
DESCOMPLICAÇÃO - Não enfeite seu objetivo, criando mais tarefas até poder realizá-lo. Se o seu problema é arrumar as roupas no armário, não invente de pintar as prateleiras antes.
BLINDAGEM - Tire da frente todas as distrações: elimine atalhos de e-mails, jogos ou redes sociais da tela do computador; não deixe a geladeira cheia de doces se quer fazer uma dieta.
BARGANHA - A tarefa chata é o real, os benefícios só virão no futuro; crie "prêmios" para cada etapa finalizada. Um simples bombom, para o cérebro, é uma recompensa imediata.
FLEXIBILIDADE - Se o planejamento não está dando certo, mude sem medo de fracasso. Trocar de estratégia não é adiar, só tome cuidado para não se tornar mais uma desculpa.
SEGURANÇA - Reforce sua autoconfiança para atingir o seu objetivo no prazo, abastecendo-se de informações ou materiais que precisa para realizá-lo. Defina objetivos realistas, nem difíceis nem fáceis demais.
AUTOPRESERVAÇÃO - Evite lidar ao mesmo tempo com várias situações que exijam muito autocontrole (começar o regime na semana em que deve se concentrar para prestar concurso).
CAUSAS - Procure descobrir os motivos que levam você a protelar: medo de errar ou do sucesso, perfeccionismo. Um psicólogo pode ajudá-lo a entender essas motivações.