Empresas estrangeiras começam a limitar o trabalho fora do horário oficial, enquanto no Brasil executivos esticam até onde podem a jornada. É possível mudar essa cultura?
Revista Época Negócios - por Raquel Salgado
- E aí, trabalhando muito? - O suficiente. Entro às 9h, saio às 17h. Faço uma hora de almoço. Não trabalho aos finais de semana e sempre tenho folga nos feriados. - Opa! Tem vaga nessa empresa? - Pois é! Nem e-mail corporativo eu acesso aos finais de semana.
É raro, bem raro, ouvir um diálogo assim. Onde já seu viu alguém sair por aí dizendo que tem trabalhado pouco - ou, na verdade, cumprido a jornada oficial da legislação trabalhista brasileira (44 horas semanais)? Deve estar rico ou não gosta muito de pôr a mão na massa. Esse é o pensamento de boa parte dos executivos no Brasil, segundo Elton Moraes, gerente do Hay Group, consultoria de RH. A celebração ao expediente longo, diz ele, é vista por aqui como algo importante nos meios profissional e social. De acordo com o Hay Group, os executivos brasileiros trabalharam 12,5 horas por dia, em média, no ano passado. Num expediente de segunda a sexta, isso significa 67,5 horas semanais na labuta, bem acima da jornada legal.
A chegada de novas tecnologias, em vez de amenizar a carga de trabalho, potencializou o problema. Quem já tinha predisposição em passar boa parte do tempo no escritório encontrou nos smartphones e laptops os parceiros ideais para manter a conexão diuturna com a lida.
Trabalha-se de qualquer canto, a qualquer hora, na busca por um salto de produtividade. Só que esse salto pode não acontecer.
Um estudo da ONG americana The Conference Board mostra que entre 2009 e 2013 os brasileiros produziram menos do que americanos, franceses e ingleses, embora tenham trabalhado mais.
Para o economista John Pencavel, da Universidade de Stanford, é a redução - e não o aumento - da jornada que pode ter um impacto positivo na produtividade.
Seu estudo conclui que a relação tempo e produtividade funciona para jornadas abaixo de 49 horas semanais. Acima disso, a capacidade de produção decresce. Algumas empresas já perceberam o fenômeno. A filial do Google em Dublin, na Irlanda, está - segundo a revista The Economist - confiscando aparelhos como smartphones e laptops de seus funcionários no fim do expediente, para evitar que eles trabalhem fora do horário oficial. A montadora Daimler apaga da caixa de e-mails de seus funcionários as mensagens recebidas quando eles estão de folga ou de férias. Haverá o dia em que falar de jornada dupla, em público, será um problema.